O ARTISTA Vamos brincar ao cinema mudo
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Manuel Halpern 14:56 Terça, 7 de Fevereiro de 2012 |
Por que é que um filme mudo francês é o mais nomeado para os Oscars e é apontado como um dos favoritos para ganhar a estatueta para o melhor filme? Que nem se tente desvendar o mistério, porque a indústria e a academia americana têm muito pouco de lógico, e raras vezes os seus critérios serviram para asseverar da qualidade dos filmes. Mas, verdade seja dita, estamos perante um fenómeno bizarro.
Em primeiro lugar, porque, já se sabe, Hollywood tem uma particular aversão ao cinema francês. Mais facilmente empola italianos, espanhóis, alemães do que cineasta franceses que têm fama de maçadores. Mas essa também aqui é a questão mais fácil de resolver. Porque apesar da produção e realização gaulesa, O Artista de francês tem muito pouco. A rigor nem sequer a língua, porque apesar de ser um filme mudo, a língua usada é o inglês. A própria história é americana e hollywoodesca, talvez a imitar os antigos, talvez a parodiá-los.
O Artista, obra pequena e curiosa, aparentemente nem sequer tem muitas ambições. Não há aqui uma renovação reciclada do cinema, tendo como base as origens, tal como Quentin Tarantino fez ao rebuscar a série B, para nos dar algo de fresco. Aqui há apenas uma paródia. Uma paródia cinéfila, de reminiscências da história do cinema e com a graça de ser feito com ferramentas do próprio cinema.
Não há nenhum tom de manifesto, como o de Dogma (movimento encabeçado por Lars Von Trier), que diga que o futuro é o passado ou que o tosco é moderno (e tantas vezes é) e que ganhamos muito em nos calarmos e em recuarmos aos tempos em que os filmes eram inocentes e doces. Há apenas esse recuar consciente do tempo, para encontrar uma certa inocência, obviamente artificial.
Contudo, essa consciência faz com que O Artista seja mais do que uma mera imitação do antigo, contudo não se livra da condição de exercício. Um filme que não pode ser levado muito a sério, mas que, por fatores extraordinários, está a ser colocado a cima das estrelas, como se de uma grande obra se tratasse.
Nós já sabíamos do próprio cinema que a passagem para o sonoro não foi bem aceite por todos e resultou mesmo no final da carreira para alguns atores. Foi a primeira grande revolução na sétima arte. A novidade aqui é que assistimos a esse drama num contexto que lhe dá razão, enfatizando o seu ponto de vista. O cinema passa ao sonoro, mas George Valentin, a grande estrela do tempo em que os atores faziam muitas caretas, continua dentro de um filme mudo. Nós acompanhamos o drama da personagem, porque o passo tecnológico do cinema não nos atinge, o filme mantém-se mudo. Mudo à exceção de um pequeno pormenor, o melhor humor do filme e talvez a sua melhor cena, fruto dessa consciência de que se falava: Valentin tem um pesadelo sonoro.
Quando Avatar arrasou com as bilheteiras em 2009, o 3D esteve em grande debate como possível caminho para o cinema. Quando a Academia decidiu atribuir o Óscar à ex-mulher Cameron, Kathleen Biggelow, por Estado de Guerra (um filme de orçamento infinitamente mais reduzido), afirmou que o caminho talvez não fosse o 3D. Aqui, esperamos nós, ninguém se está a questionar se o caminho da indústria é o regresso ao mudo. Nem mesmo se O Artista ganhar o Óscar. Senão, aplicado à nossa escala, correríamos o risco de um re-make do Pátio das Cantigas. No entanto, há uma afirmação daquilo que é simples e a academia gosta de baralhar os caminhos tecnológicos.
Basicamente, o Artista é um filme que não incomoda, e que até tem um cão que faz habilidades (talvez merecesse a nomeação para melhor secundário), conta com bons pormenores, mas pode ser prejudicado pelo excesso de protagonismo. Um filme que não fala, mas que também não tem muito a dizer.
Fonte: JL
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