30 agosto 2010

O Boitatá

É uma versão brasileira do mito explicativo do fogo-fátuo (chama espontanêa de gases emanados do pântanos ou de sepulcros), existente em quase todas as culturas. O Boitatá (de “boi”: cobra, “tatá”: fogo) seria uma cobra-de-fogo que vagava pelos campos, protegendo-os contra aqueles que os incendiavam. Às vezes, transformava-se em grosso madeiro em brasa que fazia morrer, por combustão, aquele que queimava os campos.

È um mito dos mais antigos e quase totalmente de origem indígena. O Padre Anchieta a ele se refere em carta de 1560: “Há também outros (fantasmas), que vivem a maior parte do tempo junto do mar e dos rios, e são chamados Baetatá, que quer dizer coisas de fogo, o que é o mesmo como se dissesse o que é todo de fogo. Não se vê outra coisa senão facho cintilante correndo ( por sobre a lama dos pântanos). O que, seja isto, ainda não se sabe com certeza”. O mito do Boitatá, ou do fogo-fátuo, recebe outros nomes, como: Fofo-corredor, Batatão, Baitatá e Jã- de-la – foice.

Revista Recreio:
Uma lenda muito conhecida no Rio Grande do Sul conta que, quando ocorreu o dilúvio na Terra, muitos animais morreram e as serpentes riam à toa com tanto alimento sobrando. Mas, como castigo por essa gulodice, a barriga delas começou a brilhar cada vez mais, até que se elas se incendiaram. Nos estados do Nordeste, o boitatá é conhecido também como "fogo que corre".

Se você encontrar com o boitatá, feche os olhos e fique quieto. Aí ele vai embora. Ufa

Post relacionado:

http://retalhosnomundo.blogspot.com/2010/08/as-sereias.html

28 agosto 2010

Dor crônica

A causa desse fenômeno é tão vasta e complexa como a própria dor. Questões socioculturais, as formas de trabalho e os avanços da Medicina que proporcionam sobrevida mesmo em casos de doenças que em outro momento seriam fatais, são alguns dos possíveis caminhos para uma melhor compreensão desse quadro



Por Melissa Coutinho
Pisicóloga clínica de orientação Lacaniana, especializada em Somatic Experiencing.

A Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) conceitua 'dor' como uma "experiência sensitiva e emocional desagradável decorrente ou descrita em termos de lesões teciduais reais ou potenciais". Para algumas pessoas essa pode ser uma definição difusa, pouco clara e muito ampla. Mas é exatamente esse caráter abrangente que permite que seja englobada a vivência do indivíduo. A dor é algo real, concreta na medida em que é experienciada, mas é também subjetiva, pois a vivência interna dela e a própria descrição da dor é uma experiência subjetiva e individual.

A dor crônica pode ter inúmeras causas, entre elas doenças reumáticas, câncer, acidente, LER/DORT (lesões por esforços repetitivos/ distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho), processo cirúrgico ou por algum outro transtorno que gere efeito no corpo. Doenças crônicas são assim classificadas devido ao período prolongado de tratamento; devido ao tipo de evolução da doença ou afecção, e/ou às respostas aos tratamentos, geralmente lentas e de efeito aquém do esperado na terapêutica usualmente utilizada.

Dor física e dor psíquica

A definição de dor é mais complexa, ampla e subjetiva. Na atualidade, convive a distinção entre o conceito de dor física e dor psíquica. O primeiro bastante difundido e aceito, bem definido pela Neurofisiologia, tratada com a terapêutica médica adequada a cada caso. O segundo, muito pouco compreendido, é pouco estudado e, geralmente, sem tratamento adequado. Além disso, a dor psíquica é vista apenas como uma consequência dos processos das enfermidades físicas. É relevante considerar, ainda, outro viés em relação à dor, que é a "origem da dor" no psíquico. Causas que podem ser chamadas de subjetivas ou pessoais, que com o tempo, com a insistência e repetição de padrões internos (forma como o indivíduo está estruturado perante o mundo) e externos (comportamentos), acabam por se tornar uma enfermidade física.

Para um olhar analítico, não há divisão entre dor física e dor psíquica. Essa ambiguidade que envolve a definição do conceito e o próprio tratamento da dor revela a sua complexidade. Isso exprime a necessidade de centros específicos no tratamento da dor crônica. Se partirmos do pressuposto que o ser humano é um ser multidimensional, então o corpo físico passa a ser um desses níveis, e não o único. Além disso, esses níveis são interligados e se influenciam mutuamente, de forma direta e imediata. Inconsciente e consciente, corpo e psique são dois lados de uma única moeda - o organismo.

Não existe o corpo que sofre, existe um corpo sofrido. É a pessoa que sofre, e ela sofre por inteiro. Um indivíduo que apresenta uma situação de sofrimento, de dor está imerso em um contexto familiar, social e cultural. Isso configura um quadro em que a dor vivida é modulada conforme a experiência pessoal daquela dor. Ela não é apenas um processo neurofisiológico, mas algo que ultrapassa essa compreensão estrita, e se inscreve no campo existencial.

Por isso, quando nos deparamos com quadros complexos, multifatoriais, torna-se difícil trabalhar se não for levando em conta os tratamentos adequados para cada nível específico afetado. Nesse contexto, é imprescindível trabalhar com uma equipe multidisciplinar, pois o trabalho com pacientes que sofrem de dor crônica exige uma rede de troca de informações. Por exemplo, nestes casos, o psicoterapeuta deve acompanhar o processo não só do próprio tratamento analítico, mas conhecer a evolução dos outros tratamentos, das medicações que o paciente está utilizando, e das alterações/ajustes ao longo do percurso. O trabalho deve possibilitar a união de forças para promover um suporte e um direcionamento mais adequado do tratamento. Afinal, estamos lidando com um organismo, corpo e psique, que se encontra em desarmonia, e a dor é um fenômeno que ultrapassa a experiência de um profissional isolado.

No tratamento da dor crônica a equipe de profissionais engloba diversas áreas e especialidades: Clínica da dor, Psiquiatria, Reumatologia, Neurologia, Neurocirurgia, Ortopedia, Cirurgia da mão, Cirurgia buco-maxilo- facial, Acupuntura, Fisioterapia e Psicologia, dentre outras. A equipe trabalha objetivando o controle da dor, a melhora funcional, a reintegração biopsicossocial e a ressignificação da dor.

Por meio da arte

Segundo a revista Espaço Aberto, editada pela Universidade de São Paulo, as alterações químicas do cérebro provocadas pela dor crônica geram depressão. A prevenção está no próprio hábito de vida das pessoas. Há aqueles que utilizam a arte como forma de terapia: "Com isso conseguem superar a dor intensa que sofrem, porque ocupam a mente, elemento fundamental no reconhecimento da dor", afirma Mário Escobar, voluntário no setor administrativo do Centro de Dor do Hospital das Clínicas e coordenador da Expo Arte-Dor.

Por causa dos diferentes aspectos da dor crônica, é imprescindível que o tratamento ocorra com uma equipe multidisciplinar que favoreça uma rede de troca de informações

Psiquiatra e paciente

Existem alguns casos em que o suporte de um psiquiatra é necessário para estabilizar o quadro psíquico, possibilitando à pessoa readquirir a condição de poder entrar em processo analítico, pois não é possível refletir sobre as suas questões se toda sua energia psíquica está convergindo em função de conseguir uma estabilização. Isso acontece nos casos de ansiedade e depressão grave, onde algumas vezes a própria vida do indivíduo está em jogo.

O paciente de dor crônica geralmente vem de uma caminhada de sofrimento, em que se sente incompreendido, perdido, muitas vezes com a sua vida totalmente modificada em diversos contextos, como na família, gerando impacto psíquico, com sintomas como depressão e ansiedade, e no trabalho, como a relação com a profissão e sua estabilidade econômica.

O psicoterapeuta, se valendo de um bom suporte teórico e de valores éticos imprescindíveis, deve estar atento para um manejo adequado, levando em conta a história do indivíduo, o contexto em ele vive hoje, e as circunstâncias envolvidas no processo do adoecimento.

O psicoterapeuta não ocupa o lugar de um amigo íntimo, que está ali para ouvir os problemas e dar conselhos. Ele está como uma pessoa amistosa, sim, empática para escutar, para oferecer um espaço seguro e acolhedor para que o próprio cliente se escute, para que ele mesmo encontre suas respostas, para que ele encontre o caminho de sua reconstrução interna, de sua unidade, de sua saúde. O processo de reconstrução é necessário para quem está passando por essa situação, onde muitas vezes a imagem que se tem de si é destroçada, como se o corpo se partisse em pedaços.

É preciso que o profissional que atue nessa área tenha a sensibilidade de perceber as diferenças entre as pessoas, seu funcionamento peculiar e suas necessidades individuais.

Trabalhar no sentido de ajudar o indivíduo a acessar seus próprios recursos, além dos recursos externos, sociais e culturais que estão à sua volta, uma vez que a conceituação e o tratamento da dor crônica tem engendramentos que um olhar superficial não alcança.

No tratamento da dor crônica, a equipe de profissionais engloba diversas áreas e especialidades. Aa acupuntura é considerada um método de tratamento complementar com o objetivo de controlar a dor e obter a melhora funcional do paciente


Consequências da dor crônica


O quadro de dor crônica pode gerar, entre outros aspectos:

Desesperança: tentativa de diversos tratamentos, sem ter a resposta esperada;

Cansaço: geralmente são tratamentos que exigem muito tempo e disponibilidade (vários dias da semana, várias horas por dia), passando por diversos profissionais (fisioterapeuta, acupunturista, médico da dor, psicoterapeuta, etc.);

Resistência à adesão aos tratamentos: "Já fiz tanta coisa e não tive melhora, não quero mais nada, não acredito mais", "Não gosto de tomar remédio", "Tenho medo de ficar viciado nesses remédios tarja preta", "Já tomo muita coisa, não vou tomar mais ainda";

Medo: dúvidas em relação ao diagnóstico e ao próprio tratamento: "O que é que eu tenho mesmo?";

Raiva: devido às perdas que vem sofrendo ao longo do caminho nesse contexto; as relações que vem sendo alteradas, seja na família, seja no trabalho, seja com seu próprio corpo;

Impotência: perante a realidade que está vivenciando;

Questões envolvendo identidade: o indivíduo perde o seu lugar social, pois não pode mais exercer as funções que tinha (por exemplo: um pai de família que sustentava a casa e que está afastado há um ano, algumas vezes sem receber seu salário por questões burocráticas do sistema, como data da perícia, prazo para liberação, etc, e que também não pode fazer nada dentro da própria casa, pois qualquer esforço físico detona o processo de dor);

Estranhamento: muitas vezes do próprio corpo e até do próprio eu;

Além desses sintomas, é também frequente existir a alteração do sono, do apetite e do humor.


A tenção aos sinais


A dor é sempre um alerta, um sinal de proteção que diz que algo não vai bem. O que as palavras não dizem, o corpo fala. Por isso, quando o cliente chega ao consultório de psicoterapia encaminhado por outras especialidades, é comum ele não saber do que se trata, de como funciona e só estar ali porque o "doutor mandou ele ir". Está fragilizado, perdido, sentindo-se impotente e vendo a sua vida cada vez mais ser reduzida à própria dor. O indivíduo deixa de sentir dor, e passa a ser a própria dor.

O rio é uma boa metáfora para esse processo. Antes, com margens largas, com um fluxo de água satisfatório, com o tempo vai se estreitando, vai diminuindo seu fluxo e ficando cada vez mais raso e fraco. O trabalho do psicólogo caminha no sentido de o indivíduo voltar a ampliar esse fluxo, de novamente ter margens largas, ter um fluxo energético satisfatório, um fluxo de vida saudável.

Para tanto é fundamental que o psicoterapeuta tenha clareza de suas bases teóricas, e uma visão ampla de processo e de funcionamento da psique - consciente e inconsciente. É preciso devolver o sintoma ao lugar simbólico a que ele pertence. É importante que, ao longo do tratamento, a pessoa passe a entender o significado desse sintoma na sua vida, como surgiu, a serviço de que ele se fez presente, e possa ressignificá-lo.

Na medida em que isso vai acontecendo, se descortina uma realidade que, até então, ele não sabia que estava ali, e que muita vezes "não quis saber", ou que "não podia saber", por não ter o ego suficientemente estruturado e que desse conta com o que ele iria se deparar. O caminho para romper esse ciclo vicioso que a dor impõe, é compartilhar essa experiência.

Dividir, ser ouvido e se ouvir.

De repente, ele percebe que não está mais só, que tem um lugar para ele, para que ele possa estar com ele mesmo. E, ao longo desse caminho, de forma cuidadosa e devagar, a fragilidade, o cansaço, a tristeza, e as dúvidas aos poucos e de forma consistente, vão se transformando e dando lugar à força, às respostas, ao autoconhecimento. O indivíduo passa a "caber no seu corpo", e vai além dele. Passa a se perceber como muito mais do que um corpo.

A realidade de antes, com todas as limitações físicas e psíquicas envolvidas pode ser transformada, pois só se muda o que se conhece. Á medida que o processo de análise avança, novas descobertas acontecem, novas formas de pensar e de sentir começam a ser possíveis. Uma nova forma de viver, de estar no mundo se configura. Esse novo lugar de existência é congruente, estruturante e confortável.

O contato com pacientes de dor crônica ensina que é preciso construir uma prática com bases conceituais consistentes, com uma visão ampla de processo, e com flexibilidade para os ajustes necessários. A linguagem é a ponte que possibilita que todo tratamento aconteça. Na medida em que ele fala, ele já não está só, preso no seu mundo de dor e sofrimento, absorvido e reduzido às suas experiências e ao sentimento de impotência e fragilidade. Quando a relação com o outro que o escuta, que está ali para lhe assegurar um lugar seguro e coerente para essa jornada de autoconhecimento se estabelece, a pessoa pode começar a dizer sobre si, descobrir novas perspectivas e ganhar um novo olhar perante a vida.

Com a compreensão sobre a sua vida, sobre si mesmo, seu corpo e suas emoções, a pessoa passa a ter mais recursos, passa a ter condição de se implicar no seu processo. Ela passa a descobrir novas formas de se relacionar, de conviver e de produzir com dignidade e alegria.
o psicoterapeuta pode contribuir para que o paciente se escute, e encontre suas próprias respostas. Esse processo de reconstrução é necessário para quem sente dor crônica, quando, muitas vezes, a imagem que se tem de si e do mundo é distorcida

o suporte de um psiquiatra pode estabilizar o quadro psíquico, evitando ou minimizando casos de ansiedade e depressão grave apresentados por pessoas que sofrem de dor crônica

Referências

ALVES NETO, O.; CASTRO COSTA, C.M.; Siqueira, J.T.T.; TEIXEIRA,M.J. Dor - Princípios e Prática. Porto Alegre: Ed. Artemed, 2009.


JACOB, M. O encontro Analítico: Transferência e Relacionamento Humano. São Paulo: Ed. Cultrix, 2008.


NASIO, J.-D. A dor física. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 2008.


NASIO, J.-D. A dor de amar. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 2007


LEVINE, P. A. Despertar do Tigre: Curando o trauma. São Paulo: Ed. Summus, 1999.




Publicação:revista Psique & Vida 55

26 agosto 2010

Os Recordes de Avatar

300 Milhões

de dólares é o orçamento estimado


749 Milhões
de dólares de faturamento, apenas nos EUA


58 Milhões
de dólares é o quanto a superprodução arrecadou no Brasil.


2,7 Bilhões
de dólares no mundo todo a maior da história em número absolutos


14º Lugar
entre as maiores bilheterias no mercado norte-americano, levando em consideração a correção da inflação – o primeiro lugar seria de - O Vento Levou(1939).


Fonte: Box Office Mojo

25 agosto 2010

Avatar: Onde Estava Cameron?

1954: Nasce em Kapukasing, em Ontário (Canadá) no dia 16 de agosto.

1971: Muda-se para os Estados Unidos. Passa a cursar física na Universidade da Califórnia. Nos anos seguintes, ganha a vida com uma série de profissões. Foi, por um tempo, caminhoeiro.

1977: Depois de assistir a Stars Wars, decide entrar para a indústria cinematográfica.

1980: Realiza os seus primeiros trabalhos nos estúdios do mestre do filme B, Roger Corman.

1982: Estreia como diretor em Piranha 2 -Assassinas Voadoras.

1984: Faz o roteiro e dirige o thriller futurista O Exterminador do Futuro. Começa aí uma longa colaboração com o ator Arnold Schwarzenegger, que seguiria em O Exterminador do Futuro 2 (1991) e True Lies (1994).

1985: Assina o roteiro de Rambo 2 – A Missão.

1986: Assume a direção da continuação de Aliens - O Resgate.

1989: Concebe a ficção cientifica submarina O Segredo do Abismo , depois viria a realizar uma série de projetos, em especial documentários, sobre os oceanos.

1997- Realiza Titanic , a maior a bilheteria do cinema até entáo. O filme conquista 11 Oscar, iincluse o de melhor diretor para Cameron, que recebe a estatueta com uma declaração autorreferente(arrogante, diriam outros) - “Eu sou o rei do mundo!.

2009: Lança Avatar, megaprojeto que o ocupou por cerca de cinco anos.

23 agosto 2010

As Sereias

São identidades mitológicas dos gregos. Eram filhas de Fôrcis, deus marinho, segundo alguns, ou, segundo outros, de Aqueloos, divindade fluvial, e de uma Ninfa (as ninfas eram espíritos da natureza e que velavam pelas águas dos mares e rios, montes e bosques). Pela mágica suavidade de seu canto as Sereias atraíam os navegadores contra os rochedos à beira do mar, onde habitavam; entre a Ilha de Capri e o litoral da Itália. Primitivamente as Sereias eram representadas por figuras metade mulher, metade pássaro. Com o tempo atribuiu-se a elas a forma da metade mulher, metade peixe, que as tornou clássica.

Conta ainda a lenda que Ulisses, rei grego de Itaca, ao retornar para casa após a Guerra de Tróia, foi obrigado a usar essa passagem sinistra. Ordenou então aos marinheiros que vendassem os ouvidos com cera, a fim de que não escutassem o trágico e fatal canto. E ele se fez amarrar ao mastro da embarcação e assim poder ouvi-la sem perigo. Deste modo Ulisses escapou ao encantamento, deixando as sereias tomadas de grande indignação.


As primeiras sereias


Marcos Fleury de Oliveira

Os relatos mais conhecidos vem da antigüidade clássica, sendo o episódio mais famoso aquele na Odisséia, de Homero, onde Ulisses exausto depois de tantos anos tentando retornar à Ítaca, tem que atravessar a região onde ficavam as sereias. Graças aos conselhos da feiticeira Circe, Ulisses instrui sua tripulação para que o amarrem com força junto ao mastro de seu barco enquanto seus marinheiros deveriam fechar os ouvidos com cera. Dessa maneira Ulisses passa incólume e por fim volta para casa. Dessa experiência fica-lhe o sofrimento e o desespero vividos enquanto estava preso ao mastro, escutando e sentindo o canto e os encantos daquelas mulheres.

Outro episódio importante é o de Orfeu que embarca com a expedição dos Argonautas e no encontro com as sereias se põe a cantar de tal forma e com tal encanto que consegue superar o fascínio do Canto das Sereias. Nessa passagem apenas um dos tripulantes, Butes, não resiste e se lança ao mar para uma morte certa, sendo no entanto salvo por Afrodite e alcançando assim um destino mais feliz.

22 agosto 2010

A descoberta das palavras

O idioma está entre as ferramentas mais complexas do ser humano. No entanto, crianças só precisam de uns poucos anos para aprender a pronúncia, o significado de milhares de palavras e como encadeá-las corretamente

Por Martin Paetsch

Com um ano e meio, as crianças começam a expandir rapidamente seu vocabulário. Em média, eles aprendem 9 palavras novas por dia. Aos 6 anos, já dominam 14.000 conceitos
“NÃO VOMITAR ÔNIBUS”, anotou a linguista Susan Curtiss. Ao lado, escreveu o significado da frase abreviada: “Eu não vomitei no ônibus”. Outras afirmações incluem “professor manda escola” ou “eu querer Curtiss tocar piano”. São palavras enfileiradas que poderiam facilmente ser pronunciadas por uma criança de 2 ou 3 anos.

Mas a autora dessas frases ingênuas não é uma criança. Ela já tem 17 anos quando as anotações são feitas. “Genie”, como a adolescente é chamada para proteger sua identidade, só conhece a fala há pouco tempo.

A garota escapou de seu martírio aos 13 anos. Desde a mais tenra idade, seus pais a haviam trancado em um quarto – durante o dia amarrada a uma cadeira-toalete; à noite imobilizada dentro de um saco de dormir. Ninguém jamais falou com ela e ela nunca havia escutado a fala humana nem por rádio ou televisão. Ao som do mínimo barulho, o pai a surrava com um pedaço de pau.

Quando essa “criança-lupina” é descoberta em Los Angeles, em 1970, ela só lembra de longe um ser humano. “Genie” pesa apenas 27kg, não consegue ficar ereta e praticamente não sabe andar. E não fala. Tudo o que suas cordas vocais produzem é um gemido agudo.

Susan Curtiss e outros pesquisadores se encarregam dela, na esperança de poder ajudá-la. Principalmente, porém, eles querem obter insights únicos em um dos maiores milagres da infância: o aprendizado da fala. Pois somente em raríssimos casos uma pessoa cresce em tão absoluto isolamento, sendo obrigada a lutar penosamente por aquela capacidade que parece ir naturalmente ao encontro de todas as outras.

Todas as crianças criadas em condições normais aprendem sua língua materna com a mesma naturalidade com que aprendem a andar. E, até mesmo bebês surdos começam a gesticular com as mãos naquele período de desenvolvimento em que outras crianças da mesma idade, que escutam, começam a balbuciar. Mais tarde, eles inventam os primeiros sinais, que finalmente aglutinam para formar frases bem simples, mesmo quando seus pais não lhes ensinaram a linguagem de sinais.

Até a idade adulta, um ser humano aprende, conforme a riqueza de seu vocabulário, entre 20.000 e 80.000 palavras. E, com a ajuda de regras gramaticais, consegue ordená-las em um número praticamente infinito de frases.

Mas é um enigma como as crianças se apoderam dessa ferramenta. Que mecanismos permitem a uma criança pequena identificar palavras isoladas no meio de uma cascata inicial de termos e sons desconhecidos? Como ela absorve e retém a complexa estrutura gramatical de uma língua? Por causa de perguntas como essas os pesquisadores e filósofos vêm brigando há muito tempo.

Pois a fala é uma característica intrinsecamente humana. Embora algumas espécies animais também disponham de um considerável talento para a comunicação, alguns primatas conseguem aprender símbolos ou sistemas de sinais, com os quais eles respondem a perguntas simples, nenhuma outra espécie chegou tão longe como o homem na arte de formular e trocar informações.

Um estudo mostra que crianças com menos de três anos tomam principalmente seus pais como modelos linguísticos. Pesquisadores especulam a razão disso: homens não estressariam os pequenos com uma verborreia e frases complexas, como muitas mães o fazem

NÃO SE SABE quando, no decorrer da evolução, ocorreu esse importante passo de desenvolvimento. Pesquisadores americanos constataram, com base em achados de esqueletos, que o Homo sapiens é dotado há pelo menos 50.000 anos de uma particularidade anatômica: a cavidade bucal e a goela (ou garganta, no caso) não formam mais um arco único, como em nossos ancestrais mais antigos, mas constituem um ângulo quase reto. Além disso, desde então a laringe se localiza em um ponto muito mais profundo da garganta. Desse modo, foi possível originar o espaço de ressonância no fundo da garganta e a língua ganhou mais espaço.

É essa formação especial da boca e da garganta que hoje permite emitir a multiplicidade de sons de um idioma; vale ressaltar que nossos parentes mais próximos, os hominídeos, não conseguiam fazer isso.

Entretanto, em recém-nascidos o trato vocal praticamente não se distingue do de outros mamíferos: é só por isso que os bebês conseguem simultaneamente mamar no peito materno e respirar. Durante o crescimento da criança ocorrem mudanças estruturais responsáveis por fazer com que a língua e a laringe escorregassem cada vez mais para trás, até que consiguisse, entre 6 e 8 anos de idade, produzir um número semelhante de sons vocais aos de um adulto.

Mas ela faz suas primeiras tentativas de falar muito antes disso. Dois meses após o nascimento, os bebês emitem sons guturais como grrr ou graa. Aos seis meses, eles começam a balbuciar e emendam sílabas formando estruturas sonoras, como bababa ou dadada.

Na idade de cerca de um ano, os bebês pronunciam suas primeiras palavras; seis meses mais tarde, eles já dominam 20 palavras e, a partir daí, eles aprendem, em média, 9 palavras novas por dia.

Simultaneamente, eles começam a formular frases simples de duas palavras, como “boneca vem” ou “mais leite”. Aos quatro anos, muitas crianças já têm um vocabulário de mais de 6.000 palavras e, frequentemente já formulam perguntas e frases complexas gramaticalmente corretas.

COMO, EXATAMENTE, esse estonteante processo de aprendizado transcorre ainda é uma questão debatida entre os cientistas. Em 1957, o psicólogo americano Frederic Skinner tentou apresentar uma explicação. Ele partiu do princípio de que, cada comportamento, inclusive a fala, é adquirido e retido por meio de confirmações externas.

Sendo assim, uma criança só seria recompensada com um suco, quando ela pronunciasse uma frase articulada, como “quer suco”. Desse modo, segundo Skinner, aos poucos predominariam na fala infantil palavras pronunciadas corretamente e frases gramaticalmente certas, enquanto as variantes incompreensíveis, não recompensadas, simplesmente desapareciam.

Descobertas feitas na prática psicológica falam a favor da teoria de Skinner, pois terapias que se baseiam em seu conceito de condicionamento, podem ajudar crianças debilitadas a aprender a falar.

Entretanto, experimentos não levam necessariamente a conclusões sobre o processo de aprendizado em bebês saudáveis, uma vez que, em casos normais, a fala não é ensinada e treinada sistematicamente pelos pais. O que de fato ocorre é que as crianças são expostas a um confuso ambiente de sons, de vozes diferentes e comentários desconexos, pois somente poucas pessoas conversam por meio de frases completas. Hoje, os pesquisadores julgam impossível que uma criança possa desenvolver uma compreensão mais profunda da fala apenas com base nesses estímulos fragmentados, em vez disso, eles acreditam que ela já esteja equipada, desde o nascimento, para essa difícil tarefa de aprendizagem.

CADA VEZ MAIS estudos científicos mostram que crianças dispõem de mecanismos surpreendentemente eficientes para poder reconhecer sons, palavras e possivelmente até estruturas gramaticais, embora essas estratégias pouco ou nada tenham a ver com o condicionamento descrito por Skinner. Na realidade, tratam-se de mecanismos que já ajudam recém-nascidos a colocar ordem no penetrante caos de cliques, chiados, zumbidos e ruídos resmungados que os cercam.

A multiplicidade de ruídos humanos é avassaladora. Em conjunto, todas as línguas do mundo dispõem de um repertório de 600 consoantes e 200 vogais, o que, na combinação de 5 sons por palavra, por exemplo, resulta em 100 trilhões de possibilidades.

As fases de aprendizado da fala

Crianças aprendem a falar com rapidez variável. Aos dois meses, em média, os bebês começam a explorar sons involuntários, como grrrr ou graaa, que brotam de movimentos musculares aleatórios da boca, do pescoço e da laringe. A partir do sexto mês, começa a fase dos balbucios com sílabas encarreiradas (mamama, dadada). O ritmo e a cadência desses monólogos já se parecem com a língua materna. Por volta dos nove meses, o bebê já sabe direcionar conscientemente os movimentos de sua boca para formar uma única sílaba dupla. Quando os pais o elogiam por isso, ele aos poucos começa a aprender a diferenciar palavras que fazem sentido em cadeias sonoras aleatórias. A partir de doze meses, a criança formula as primeiras chamadas protopalavras (por exemplo, auau). De início, elas são utilizadas seletivamente, somente uma determinada bola é ‘bola’, em uma fase posterior, qualquer homem pode ser ‘papai’.

Na idade de um ano e meio, ocorre uma verdadeira explosão vocabular. Logo em seguida, a criança começa a formar as primeiras frases de duas palavras e então tem início a idade das eternas perguntas (“pota abeta?”). Aos poucos, as crianças se tornam mais habilidosas e passam a declinar verbos, formar plurais e sentenças mais longas. Aos três anos, mais ou menos, tem início a segunda fase de perguntas (“por quê?”, “que é isso?”). Por volta dos quatro anos, a maioria das crianças já domina os fundamentos gramaticais e, paralelamente, a riqueza de vocabulário se expande. O cérebro armazena noções e aspectos adicionais em um “dicionário mental”. Por exemplo: “sapo = bicho = liso = coaxar” .

Aos seis anos, a criança sabe rimar e fazer separações silábicas de palavras, capacidades fundamentais para aprender a ler e escrever. E, com isso, os alicerces do aprendizado estão completos
Quando ainda bem pequenas, todas as crianças são capazes de diferenciar esses sons. Em estudos científicos, bebês de seis meses de idade, do espaço idiomático da língua inglesa, reagiram a contrastes de entonação típicos do idioma falado pelos índios nlaka’pamux, do Canadá enquanto adultos de língua inglesa praticamente já não registravam mais essas sutilezas.

Mas os bebezinhos, de início universalmente talentosos, se acostumam cedo na vida aos sons da língua materna. Nesse processo, eles também conferem a mesmíssima categoria sonora, às pronúncias variáveis entre si, por exemplo, de diversos interlocutores. Bebês americanos, de seis meses de idade, já tendiam a interpretar como idênticas diversas variantes de uma vogal em inglês, mas já não faziam essa diferenciação com as variantes de uma vogal sueca.

Desse modo, o sentido auditivo se especializa, pouco a pouco, naquelas 40 categorias sonoras que são mais importantes na respectiva língua materna.

Adultos japoneses, por exemplo, certamente produzem variantes de sons que correspondem às consoantes ocidentais r e l, mas eles sempre compreendem e querem dizer apenas a mesma consoante em seu idioma. Da mesma forma, bebês japoneses de um ano já têm dificuldade em diferenciar esses dois sons. Paralelamente, nessa idade eles já melhoraram muito a sua capacidade de identificar essa consoante japonesa em particular, bem como outros sons típicos.

Mas, além disso, o bebê também precisa aprender a identificar palavras isoladas. Não é fácil descobrir onde elas começam e onde terminam na língua falada: um orador raramente faz pausas claras que possam servir como pontos de referência. Em vez disso, ele frequentemente emenda as palavras em um fluxo contínuo de sílabas.

Mesmo assim, algumas crianças já entendem algumas palavras muito antes de começarem a falar: em testes, aos 6 meses, eles olharam muito mais tempo para a imagem de suas mães em vídeos experimentais quando alguém lhes perguntava “cadê mamãe?”. O mesmo aconteceu quando se pronunciava a palavra “papai”.

Aos 13 anos, a garota americana “Genie”, da Califórnia, conseguiu escapar de seu martírio: os pais a tinham trancafiado desde a mais tenra idade sem jamais falar com ela. Depois que “Genie” foi descoberta, em 1970, pesquisadores tentaram ensiná-la a falar, mas para isso, segundo um dos cientistas, a “criança mais testada da história” já estava crescida demais
Outro estudo explica como os nenês aprendem a identificar palavras como essas no fluxo idiomático: pesquisadores americanos confrontaram bebês de 8 meses durante dois minutos com um ininterrupto fluxo de sílabas apresentado por uma voz digital. A sequência dos sons, por exemplo, bidakupadotigolabubidaku, era formada por palavras inventadas, aleatoriamente emendadas, como padoti ou golabu.

Quando os cientistas reapresentaram essa criação de palavras fantasiosas em meio a outras novas e desconhecidas, os bebês deram sinais evidentes de reconhecer aqueles sons conhecidos. De acordo com isso, eles já sabiam identificar a palavra padoti e outros termos artificiais já ouvidos antes.

Aparentemente, os bebês se valeram de frequências estatísticas. Por exemplo, eles identificaram com frequência muito maior a combinação silábica pa-do, como parte integrante da palavra padoti, enquanto ti-go aparecia muito mais raramente, apenas na combinação padoti golabu. Esse é um princípio pelo qual também se identificam palavras na linguagem real: nas frases “quer boneca” e “dar boneca”, a sequência silábica bo-ne-ca aparece com maior frequência que er-bo ou ar-bo.

Cochichar, repetir: a fala é um instrumento potente. Mas quem fala desinibidamente diante dos outros também se sente poderoso. Por isso, em muitas escolas, as crianças são estimuladas a participar de apresentações e peças teatrais

É prejudicial para uma criança crescer falando mais de um idioma?
Não. Na Nigéria, por exemplo, existem mais de 400 línguas diferentes; portanto a maioria de seus habitantes é poliglota. Os escandinavos frequentemente também dominam vários idiomas. Para crianças, a diversidade idiomática em geral não constitui problema. Às vezes, elas podem demorar mais a aprender quando o pai e a mãe falam línguas diferentes, mas elas logo recuperam esse atraso. E, quando uma criança adquire na infância um segundo idioma, ela absorverá outros com facilidade muito maior que outras da mesma idade, que cresceram em ambientes monolíngues. O que não se recomenda, porém, é que os pais se comuniquem com os filhos digamos, em inglês, se eles mesmos não dominam perfeitamente essa língua estrangeira.

Em situações normais de fala, os modelos típicos de entonação de qualquer idioma ajudam as crianças: uma sílaba acentuada pode, por exemplo, indicar o início de uma palavra que o bebê reconhecerá com mais facilidade. Além disso, a criança recebe indicações importantes de seus pais, pois no mundo inteiro estes adotam uma forma de expressão especial quando falam com bebês ou crianças muito pequenas. Nesse procedimento, eles frequentemente exageram a melodia da frase e prolongam acentuadamente as vogais, essa articulação pronunciada permite que o bebê aprenda a diferenciar sons e palavras.

PARA REALMENTE entender uma língua, porém, a criança precisará se esforçar muito mais. Além de compreender palavras, ela terá de aprender a associar suas relações gramaticais. Mas, como ela aprende que uma palavra é um substantivo, um verbo ou um objeto? Como ela é capaz de reconhecer em uma frase inventada, como “Nani cocula Nana”, que Nani está fazendo alguma coisa em relação a Nana embora não possa, possivelmente, imaginar ou saber o que é cocular?

Para que os alunos devem estudar Gramática?

A matéria “Gramática” é tão detestada quanto Cálculo Integral. Apesar disso, quem entende alguma coisa sobre a estrutura das línguas sabe mais sobre o modo e o mecanismo como o nosso cérebro divide o mundo em categorias. E aprende a valorizar que maravilha é a comunicação humana. Pois ela passa pela fascinante experiência de conseguir enxergar além de um complexo conjunto de regras, que até então empregou fluentemente, sem saber como era bom nisso

 
Sabe-se, porém, que nenês bem pequenos já dispõem de alguma forma de compreensão gramatical. Pesquisadores mostraram a bebês de um ano e meio, que só se comunicavam por meio de palavras simples, dois filmes simultâneos com personagens de Vila Sésamo, em dois aparelhos de TV. Em um monitor, o pássaro Garibaldo cutuca o monstro Come-Come; no outro ele mesmo é cutucado.

Então, as crianças eram verbalmente estimuladas com frases como: “Olha! O Garibaldo cutuca o Come-Come! Ache o Garibaldo que cutuca o Come-Come”. Aparentemente, a criançada compreendia a estrutura frasal de sujeito, verbo e objeto, pois elas olhavam com mais frequência para o monitor em que o pássaro cutucava o monstro.

As frases simples também só fazem sentido para uma criança quando ela é capaz de estabelecer relações entre palavras bem distantes entre si, como entre o sujeito Garibaldo, no início da sentença, e o objeto, Come-Come, no fim da frase. Além disso, o cérebro da criança tem de ser capaz de generalizar esses modelos gramaticais. Portanto, essa estrutura frasal não vale apenas para Garibaldo e Come-Come, nem só para cutucar.

O fato de crianças aprenderem esses vínculos gramaticais de um modo extremamente rápido é sugerido por mais um experimento. Nele, os pesquisadores desenvolveram duas línguas artificiais, que se baseavam no mesmo vocabulário, mas em gramáticas bem distintas. Os cientistas então tocavam para bebês de um ano frases construídas conforme a gramática do primeiro idioma, em média durante apenas um minuto aproximadamente.

Depois desse breve período de treinamento, os bebês eram confrontados com frases novas, construídas com outras palavras artificiais, algumas delas baseadas na segunda forma gramatical. Nesse exercício, as crianças prestavam mais atenção quando os alto-falantes emitiam novas formas da primeira estrutura gramatical, já utilizada no primeiro treinamento. Aparentemente, os bebês eram capazes de diferenciar entre as duas estruturas de regras gramaticais; portanto, eles reconheciam os princípios da gramática escutada em primeiro lugar.

Experimentos desse gênero mostram que crianças avaliam de forma muito surpreendente o intenso fluxo de conversas que as cercam. E elas parecem extrair dele não apenas informações sobre os limites entre diversas palavras distintas, mas também sobre regras gramaticais: uma sugestão considerada impensável pelos defensores do conceito de uma “gramática universal”; ou seja, a noção de que pelo menos princípios gramaticais básicos são inatos.

O contato com crianças da mesma idade, por exemplo, no jardim de infância, é fundamental para a expansão do vocabulário. O fato de ocasionalmente também aprenderem palavrões não deve alarmar os pais, pois essas expressões fortalecem a autoconfiança infantil
DE QUALQUER MODO, tudo indica que o aprender a falar é um processo unificado, que envolve simultaneamente um direcionamento genético e influências externas.

Os pré-requisitos externos incluem o ambiente social que cerca a criança. Apenas escutar frases por um alto-falante certamente é insuficiente, como mostra o caso de um menino americano de audição normal, porém filho de pais surdos. Até os três anos de idade, ele aprendeu sua língua materna principalmente através da televisão e, embora soubesse se expressar em inglês, sua compreensão gramatical era severamente subdesenvolvida.

Consequentemente, as tentativas de alguns pais, de estimular o conhecimento de seus filhos pequenos em línguas estrangeiras por meio de cursos de áudio, geralmente são infrutíferas.

Isso porque, o processo de aprendizado envolve outro fator muito importante, além do calor humano: tempo. Ao que tudo indica uma língua só se aprende sem esforço na mais tenra infância. Durante o primeiro ano de vida até crianças que tiveram a região cerebral responsável pela fala afetada por acidentes graves, geralmente conseguem desenvolver uma capacidade plenamente normal; enquanto isso raramente acontece com adultos.

Estudos realizados em imigrantes chineses e coreanos nos Estados Unidos também sugerem a existência de um período crítico para o aprendizado de um idioma. Todos os imigrantes que chegaram aos EUA após o sétimo ano de vida, jamais conseguiram dominar completamente o inglês, independentememte de quanto tempo estudaram o idioma.

A história de “Genie”, a criança-lupina moderna, também ilustra isso tragicamente. Embora ela aprendesse a falar por meio de um treinamento intensivo, após anos de isolamento, e adquirisse um vocabulário de cerca de 100 palavras, a menina curiosa jamais passou do nível intelectual de uma criança muito pequena.

Tudo indica que no momento em que “Genie” começou a ter aulas já era tarde demais. Ela nunca conseguiu conjugar a forma passiva de um verbo, nem formular perguntas gramaticalmente corretas.

Depois de ter recebido cuidados e atenção no âmbito de um projeto de pesquisa de quatro anos de duração, as subvenções financeiras estancaram em 1975. E “Genie”, que até então vivera na família de um dos cientistas, foi dada em adoção. Ali ela foi novamente submetida a maus tratos: sempre que vomitava, por exemplo, ela era castigada.

Pouco depois disso “Genie” emudeceu. Hoje ela vive em um asilo particular e, à exceção de algumas poucas palavras, nunca mais utilizou aquele primeiro idioma tão penosamente aprendido e que, para a maioria de nós, é a coisa mais natural do mundo.

Meu filho ainda fala normal?

Muitas vezes, bastam medidas estimulantes simples quando o desenvolvimento da fala é mais lento. Em menos da metade de todas as crianças afetadas, que podem ser provenientes de todas as camadas sociais, o problema é fruto de algum distúrbio específico na destreza idiomática. Essas crianças podem ter dificuldades consideráveis com vocabulário, gramática, pronúncia e até compreensão. As razões disso não são muito claras, pois nesses casos não existem indícios de distúrbios cerebrais ou auditivos e, muito raramente, de problemas emocionais. Os especialistas que tratam de distúrbios da fala são os fonoaudiólogos e os logopedistas. Comparativamente, os distúrbios da voz e da fala são mais fáceis de resolver. Neles, a formação de sons não funciona direito. Quando uma criança tem dificuldades para pronunciar determinados sons (dislalia, perturbação na articulação de palavras por lesão de algum dos órgãos fonadores), os logopedistas têm alguns truques para abordar a problema: quem, por exemplo, tem dificuldades para pronunciar o k, deve jogar uma bola com força para longe de si ao pronunciar a articulação. Além disso, o paciente deve fazer exercícios bucais: chupar balas com um canudo ou lamber geleia do lábio superior. A gagueira também é um distúrbio da fala, cuja origem frequentemente é psicológica. Aos dois ou três anos de idade, o gaguejar é frequente no âmbito do desenvolvimento normal da fala e, nessas circunstâncias, os pais não devem exercer nenhuma pressão. Brincar com bonecas pode ajudar, pois nessas ocasiões as crianças mergulham em outros papéis e gaguejam menos ou nada. Uma das consequências muito difundidas de distúrbios do desenvolvimento da fala é a legastenia (disfunção dos movimentos oculares que afeta o desempenho nas tarefas de leitura e escrita. Para muitos pesquisadores é sinônimo de dislexia e faz com que crianças afetadas troquem letras ao ler e escrever, não conseguindo compreender frases inteiras). Em geral, o problema, de ordem genética, é acentuado por falta de treinamento e televisão em excesso. Quando crianças de 3 anos só dominam algumas poucas palavras, recomenda-se com urgência uma terapia

21 agosto 2010

"Brasil potência" O sonho que insiste em não morrer

A decisão do governo Lula de se aproximar de uma potência rebelde como o Irã, e sua disposição de investir na construção do submarino nuclear, inquieta o Ocidente, e revive os tempos em que Brasília tentou atalhar o caminho para o status de potência militar através da cooperação com o Iraque de Saddam Hussein

Por Roberto Lopes

Em junho de 1989 o ex-Cônsul dos Estados Unidos em São Paulo, Frank D. Taylor, um nova-iorquino de 50 anos, atendia a morna rotina de seu gabinete de embaixador na plácida - e um tanto marginal - capital da República Dominicana, quando a imprensa norte-americana noticiou que o Brasil planejava construir um satélite de observação militar para o governo do Iraque.

A notícia, publicada originalmente no jornal Folha de S. Paulo, trazia detalhes da empreitada. O artefato, projeto conjunto da indústria aeronáutica Embraer com a fábrica paulista de mísseis Órbita - criada um ano antes - e as Forças Armadas Iraquianas, levaria uma câmera fotográfica de alta resolução, do tipo das que estavam sendo desenvolvidas por especialistas do Instituto de Pesquisas Espaciais brasileiro, sediado em São José dos Campos.

Taylor certamente se lembrava de São José. Nesse município da região do Vale do Paraíba - a meio caminho entre São Paulo e Rio de Janeiro --, estavam concentradas as principais instalações fabris erguidas para transformarem o Brasil em uma potência militar global.

Na virada da década de 1970 para os anos de 1980, época em que o diplomata americano servia na capital paulista, havia rumores de que elas exportavam (ou negociavam) tanques, aviões e pequenos foguetes made in Brazil para o Iraque, a Líbia, para países do Golfo Pérsico e da África - um tipo de fluxo comercial que fugia por completo ao controle de Washington, e que inquietava tanto a embaixada estadunidense em Brasília, quanto o staff consular que Taylor integrava.

Vinte anos depois, Frank Taylor, agora um diplomata aposentado, continua assombrado pelos fantasmas do passado.

Recentemente ele assinou um artigo na revista Proceedings, do Instituto Naval dos Estados Unidos - uma das principais publicações do establishment militar norte-americano, onde o tom de polêmica começava pelo título: "Por que o Brasil precisa de submarinos nucleares?" (Proceedings U.S. Naval Institute; issue: June 2009 Vol. 135/6/1,276)

O articulista, que foi oficial da Marinha dos Estados Unidos, diz que o programa do submersível atômico é o argumento de Brasília para superar a resistência de seus "vizinhos regionais", Chile, Argentina e México, à escolha do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas - hipótese ainda sem data para ser estudada a sério no âmbito da ONU, e que países hoje membros desse seleto grupo, como os Estados Unidos, vêm se esquivando de considerar, faz, pelo menos, dez anos.

Taylor claramente desaprova a ideia: "Construir um submarino nuclear representa um substancial investimento de capital para um país que ainda enfrenta grandes desafios de desenvolvimento, e no qual cerca de um terço da população vive abaixo do nível da pobreza". Ele também assegura que, na segunda metade do século XX, "as grandes potências" se convenceram de que "os submarinos convencionais são mais baratos, mais econômicos de manter e operar, mais silenciosos e mais versáteis do que os submarinos nucleares."

E o diplomata ainda adverte: "Apesar de 'as implicações da energia nuclear para submarinos brasileiros' não serem claras neste momento, isso não significa que elas não sejam importantes no futuro. "Estas plataformas (navios) e, sobretudo, a sua capacidade de projetar o poder letal de torpedos e mísseis de cruzeiro em qualquer parte do mundo (...) poderiam constituir incentivo para um agressivo programa no sentido de (o Brasil) adquirir ativos complementares capazes de sustentar uma estratégia de projeção global de poder".

As preocupações do septuagenário Taylor reapareceram também na Europa. Há pouco mais de um mês, o ex-diretor do Departamento de Planejamento do Ministério da Defesa da Alemanha - e analista do Conselho Alemão de Relações Internacionais --, Hans Rühle, escreveu um artigo na revista Internationale Politik sobre o programa nuclear brasileiro. Procurado logo depois pela Deutsche Welle, Rühle não se esquivou: "É preciso lembrar que o Brasil teve três diferentes programas nucleares entre 1975 e 1990. Eles acabaram, mas não está claro o que aconteceu com eles. E constato que, desde 2003, há desenvolvimentos difíceis de interpretar. Por um lado, o Brasil é membro do Tratado de Não Proliferação. Por outro, os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica se deparam com grandes obstáculos quando querem inspecionar o território. O país também se recusa a permitir controles de centrais nucleares não declaradas oficialmente. E também é preciso dizer que o Brasil tem um programa de submarino nuclear que também está vedado aos inspetores. Sabemos que o grau de enriquecimento de urânio desse tipo de programa permite a construção de armas atômicas".

O que Frank Taylor imagina, e o alemão Rühle desconfia, parece uma certeza para o físico brasileiro José Goldenberg, autoridade internacional na área de energia. Na última semana de junho passado ele declarou à imprensa paulista (Revista "Época", edição de 28 de junho de 2010) que o governo brasileiro quer ter a bomba atômica. Goldenberg observa: a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) só pode fiscalizar instalações oficiais, e o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP) subscrito por Brasília não permite à AIEA investigar instalações suspeitas.

"Os Estados Unidos temiam o desenvolvimento de programas nucleares secretos no Iraque, no Irã e na Coreia do Norte", lembra o especialista. "Em 1997, criou-se o Protocolo Adicional do TNP. Ele autoriza inspecionar qualquer instalação passível de uso nuclear, como o reator secreto do Irã, revelado em 2009. Desde 2008, os EUA pressionam o Brasil a assinar o Protocolo Adicional. O governo se recusa. O Irã de hoje poderá ser o Brasil de amanhã", conclui Goldenberg.

Todo esse jogo de pressões não é mais do que um remake da chamada "potência brasileira" - filme antigo e de produção grandiosa, concebido na segunda metade da década de 1980 pelas ambições de um punhado de graduados militares brasileiros.

O que Frank Taylor imagina, e o alemão Rühle desconfia, não é mais do que um remake da chamada "potência brasileira" - filme antigo e de produção grandiosa, concebido na segunda metade da década de 1980 pelas ambições de um punhado de graduados militares brasileiros.

Em 1989, a preparação da "potência" seguia a todo vapor, na esteira do indiscutível sucesso das exportações de armamentos fabricados em São Paulo para o Oriente Médio e outras áreas do Terceiro Mundo.

A 17 de abril de 1988, uma intensa barragem de artilharia produzida por foguetes terra-terra Astros 2, fabricados pela empresa Avibras, de São José dos Campos, revelou-se decisiva para expulsar da península iraquiana de Faw, cerca de 15.000 soldados iranianos que haviam se entrincheirado naquele pedaço árido de terra dois anos antes. Além do Exército do ditador Saddam Hussein, também a força terrestre da Arábia Saudita comprara os caminhões blindados que disparavam os foguetes Astros.

No primeiro semestre de 1989, começaram a circular nos bastidores de Brasília rumores ainda mais sensacionais: cientistas nucleares iraquianos mantinham reuniões secretas, no Rio, com autoridades do programa nuclear brasileiro; e em salas discretas às margens da Rodovia Presidente Dutra - com vista para os agradáveis jardins internos do Instituto de Pesquisas Espaciais -, técnicos civis e militares do Iraque discutiam uma cooperação binacional destinada a prover os iraquianos de um satélite de observação militar.

Em maio daquele ano, o ex-diretor do (então) Centro Técnico Aeroespacial (CTA) da Força Aérea Brasileira, brigadeiro Hugo de Oliveira Piva, deixara escapar que sua empresa particular, a HOP, despachara 23 engenheiros aeronáuticos brasileiros para o Iraque, a fim de estabelecer cooperação na área de mísseis e foguetes. O Brasil tinha muitos projetos nesse campo: o Piranha, para ser disparado de um avião contra outro; o de um míssil antiaéreo derivado do modelo inglês Thunderbold, e o de um modelo antitanque cópia do projeto italino MAF - Missile d'atacco di Fanteria (Míssil de Ataque da Infantaria).

Para agosto de 1989 era aguardada a notícia que podia ser considerada como "a cereja sobre o bolo": a encomenda, pela Arábia Saudita, de 312 exemplares do Al Fahd, um modelo de tanque de guerra desenhado pela companhia paulista Engesa - a mesma que já fornecera veículos blindados de reconhecimento e de transporte de tropas ao Iraque, à Líbia, à Jordânia e a vários outros países árabes e africanos. O negócio com os sauditas, estimado em 2,2 bilhões de dólares significaria não apenas a redenção financeira da Engesa (conjunto de seis fábricas que operava no vermelho desde 1979), mas a ascensão da indústria bélica brasileira a uma posição entre as cinco nações que mais exportavam armamentos no planeta.

Havia, nesses dias, outros planos ainda mais secretos. O principal deles, uma rede de túneis que vinha sendo escavada em um polígono de tiro utilizado pelos aviões da Aeronáutica para testar os seus sistemas de armas (bombas, canhões e metralhadoras) no sul do estado do Pará. Essas tubulações serviriam a testes nucleares subterrâneos, semelhantes aos que a Coreia do Norte realiza atualmente. A ideia das provas atômicas no subsolo paraense havia sido engendrada ainda durante o governo Ernesto Geisel (1974-1979), por uma equipe de militares considerados a elite da "potência". Dela faziam parte, entre outros, o engenheiro Hugo Piva, e o oficial de artilharia do Exército Octávio Medeiros. Com a posse do general João Figueiredo como sucessor de Geisel na chefia do governo brasileiro, Piva foi chefiar o Centro Técnico Aeroespacial em São José dos Campos, e Medeiros foi nomeado para a direção do Serviço Nacional de Informações - posto no qual apoiaria com entusiasmo a aproximação entre cientistas nucleares do Iraque e do Brasil.

Essas atividades secretas ocorriam em meio a uma feroz guerra de bastidores.

Ainda em 1986, Israel, por exemplo, tentou desacreditar o sistema Astros 2, da Avibras, divulgando que os foguetes brasileiros enfrentavam um problema de repercussão harmônica - espécie de vibração descontrolada que os fazia explodir tão logo eles deixavam os seus tubos de lançamento. Tratava-se, na verdade, de uma ação preventiva ao lançamento, pela indústria militar israelense, do seu próprio veículo lançador de foguetes de artilharia, o LARS 160, que fez pouquíssimo sucesso internacional - na América do Sul foi comprado apenas pela Venezuela.

A empresa norte-americana General Dynamics, que tinha um projeto semelhante - chamado MLRS -, também tentou atrapalhar as vendas do Astros 2, mas usando de outra estratégia: denegrir a capacidade técnica e fabril do Brasil. Foram os próprios militares do Exército da Arábia Saudita que revelaram o assédio norte-americano ao produto brasileiro. Com uma interessante informação adicional: a de que durante um voo de testes cobrindo trajetória modesta, não superior a 30 quilômetros, um foguete disparado pelo MLRS errara seu target por 800 metros - quando o normal seria que ele se afastasse do alvo por não mais do que 5% ou 10% dessa distância.

O cerco da concorrência não foi tão danoso para a indústria bélica brasileira quanto o "fogo amigo" da área econômica encastelada em Brasília. Sucessivos cortes dos créditos que mantinham o funcionamento das fábricas de armamentos forçaram a concordata da Avibras em janeiro de 1990 e a falência da Engesa no primeiro semestre de 1993. A Embraer chegou perto desse destino na segunda metade da década de 1990, mas uma associação de investidores privados e públicos com a indústria aeronáutica francesa livrou-a da ameaça.

O colapso do projeto da "potência brasileira" - ou, pelo menos, daquele projeto de potência - veio em fins de 1991, quando Saddam Hussein ordenou a invasão do Kuait, e se isolou do Ocidente. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil enviou dois embaixadores em missão especial ao Iraque, a fim de negociar a evacuação dos brasileiros que trabalhavam em obras de infraestrutura no país. Bem sucedidos na tarefa, eles fracassaram apenas em obter o repatriamento dos engenheiros aeronáuticos da HOP - negociação da qual o brigadeiro Piva teve que se encarregar pessoalmente.

Saddam Hussein foi enforcado numa prisão de Bagdá, a 30 de dezembro de 2006. No mês seguinte, em entrevista ao diário "Vale Paraibano", de São José dos Campos, o brigadeiro Piva contou que, nas poucas vezes em que teve contato direto com o ditador, encontrou "uma pessoa afável e educada".

O jornal quis saber a opinião do brigadeiro sobre as perspectivas para o Iraque, com a morte de Saddam. O militar brasileiro foi direto: "O caos. Ele era o homem que segurava o Iraque assim como segurava o Oriente Médio todo. Ele foi condenado pela morte de 150 pessoas, e o (presidente americano George) Bush? Quantas pessoas matou? Quem vai enforcá-lo?"


O tanque pesado Osório, fabricado pela Engesa, de São Paulo. A exportação desse veículo para o Exército saudita talvez pudesse ter evitado a falência da fabricante. A Engesa fechou as portas em fins de 1993.
Entre as décadas de 1970 e 1990, a indústria de material de Defesa do Brasil pesquisou o desenvolvimento de bombas de precisão, e desenvolveu o caça-bombardeio AMX, em cooperação com a Itália

Noticiário causou mal-estar

Entre 1989 e 1990, os jornais paulistas acompanharam o esforço exportador da indústria bélica brasileira no mundo árabe, bem como as tentativas dos militares de estreitarem a cooperação com o Iraque. Os "furos" da imprensa alertaram a vigilância dos Estados Unidos e causaram problemas para o então chefe do Departamento Comercial do Itamaraty, embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima

Bomba fabricada pela Avibras sob a asa de um avião de combate Sukhoi (de fabricação russa) da Força Aérea do Iraque. 
"A PAZ SÓ SE CONQUISTA COM PODER"

Ministro do Exército entre 1985 e 1990, período que representou o auge do projeto "Brasil Potência", o general Leônidas Pires Gonçalves, hoje com 88 anos, lamenta que o governo José Sarney, "tenha deixado a Engesa morrer". E sentencia: "Faltou sensibilidade". A seguir, uma reflexão do militar sobre a época áurea do Brasil como produtor e exportador de armamentos:

"Antes da Revolução (de março de 1964) o Brasil era apenas o 48º maior produtor de armamentos do mundo; ao final dela éramos o 8º. É constatação feita pela equipe do (ex-ministro da Fazenda, Mário Henrique) Simonsen, não por mim. Quando a Engesa se envolveu na disputa pela venda de tanques ao exército saudita, concorreu com modelos da França, da Inglaterra e dos Estados Unidos. Sugeri que o próprio presidente Sarney fosse à Arábia Saudita, defender essa venda. Fui criticado por um jornalista de São Paulo. Depois contei a ele que o (presidente François) Mitterrand havia ido lá fazer a mesma coisa, e que a (primeira-ministra britânica Margaret) Tatcher também foi, com status de homem. Nosso tanque venceu nos dois aspectos: o do desempenho mecânico no deserto e no da precisão do tiro. Foi o único que acertou oito disparos no alvo. Mas aí Washington forçou a venda do M-1 Abrams, e perdemos a concorrência. O fim da guerra fria reduziu muito as compras de armamentos pelos governos, e exportar para o Oriente Médio virou uma saída importante para as indústrias que forneciam esses produtos.

Mas a verdade é que tivemos problemas internamente. De uma feita fizemos (Exército e Engesa) uma postulação pequenininha (por recursos) ao Banco do Brasil, e foi uma dificuldade para ele nos dar uma ajuda. Teve até um diretor do banco que disse que era uma vergonha para o país fabricar armas. Mas a paz é uma utopia do espírito humano. A Paz só se conquista com o Poder".

ROBERTO LOPES é historiador, graduado em Gestão e Planejamento de Defesa pelo Centro de Estudos de Defesa Hemisférica da Universidade Nacional de Defesa dos Estados Unidos. Entre agosto de 1991 e fevereiro de 1992 cobriu para o jornal "Folha de S. Paulo", a partir de Bagdá e de Amã (na Jordânia), a crise decorrente da invasão do Kuait e a primeira Guerra do Golfo.


CRÉDITOS: BRAZILIAN DEFENCE EQUIPMENT (MRE)/1983; ENGESA/DIVULGAÇÃO; AVIBRAS AEROESPACIAL/DIVULGAÇÃO; ARQUIVO DO AUTOR / SHUTTERSTOCK
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