20 fevereiro 2014

Entrando e Saindo da Estante: Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis

Sinopse - Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis

É após a morte que Brás Cubas decide narrar suas memórias. Nesta condição, nada pode suavizar seu ponto de vista irônico e mordaz sobre uma sociedade em que as instituições se baseiam na hipocrisia. O casamento, o adultério, os comportamentos individuais e sociais não escapam à sua visão aguda e implacável, nesta obra fundamental de Machado de Assis. 

Em março de 1880, a Revista Brasileira começava a publicar, em folhetins, uma nova obra de Machado de Assis intitulada Memórias póstumas de Brás Cuba. Essa obra trazia como características marcantes um acentuado pessimismo em face da vida humana e uma forma literária surpreendente, além de apresentar um narrador sui generis: um defunto que, do além, mandava suas memórias para o mundo dos vivos...
O público, acostumado às narrativas tradicionais, naturalmente estranhou todas essas novidades, mas os leitores mais atentos e perspicazes logo perceberam que, com essa obra, a literatura brasileira dava um passo à frente. O escritor Raul Pompéia, por exemplo, assim comentou numa crônica a publicação dos primeiros capítulos do romance: "É ligeiro, alegre, espirituoso, é mesmo mais alguma coisa; leiam com atenção, com calma; há crítica fina e frases tão bem-subscritas que, mesmo pelo nosso correio, hão de chegar ao seu destinatário".
Em vez de uma trama envolvente, cheia de peripécias e lances de ação, Machado de Assis apresentava ao leitor uma obra praticamente sem enredo, em que o defunto Brás Cubas, para passar o tempo de além-túmulo, conta de forma irônica e irreverente alguns episódios de sua vida, aproveitando para tecer comentários amargos e pessimistas sobre a condição humana. Consciente do ritmo lento da obra e do caráter  dispersivo de sua narração, Brás Cubas várias vezes interpela o leitor, numa atitude metalinguística absolutamnente inovadora para a época: "Mas o livro é enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa contração cadavérica; vício grave, e aliás ínfimo, porque o maior defeito deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; tu amas a narração direita e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmugam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem..." (cap. 71).    
Ao longo do livro, Brás Cubas narra vários fatos de sua vida: sua paixão juvenil por Marcela, que o amou "durante quinze meses e onze contos de réis"; sua amizade com o filósofo maluco Quincas Borbas;os planos frustados do pai em querer encaminhá-lo para a política; seus amores clandestinos com Virgília. Além desses fatos pessoais, Brás Cubas conta também vários outros casos que aparentemente não têm nenhuma relação com o assunto central, surpreendendo o leitor e exigindo dele uma atenção especial para perceber a ligação que há entre os capítulos, pois eles não são contados numa ordem linear.
Inovando na forma de narrar, Machado de Assis chega a compor capítuilos sem palavras! É o que ocorre, por exemplo, no capítulo 55, em que, com base apenas nos sinais de pontuação, o leitor imagina um diálogo, completando os espaços em branco.
Escolhendo como personagem central um homem cínico e fútil, que se vangloria de não ter ganho o pão com o suor do próprio rosto, Machado de Assis revela aspectos importantes do comportamento da classe alta brasileira da época e expressa uma visão pessimista da condição humana.
Liberto pela morte das convenções e restrições sociais, Brás Cubas põe a nu não só os motivos secretos de seus atos como também a hipocrisia e as vaidades das pessoas com quem conviveu. Os valores sociais e morais são vistos apenas como máscaras que ocultam interesses egoístas. Nada resiste a essa análise impiedosa, e as últimas palavras de Brás Cubas resumem bem essa visão amarga da existência:
"Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria".
Por Douglas Tufano      

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