17 setembro 2016

7 Autoras esquecidas da literatura brasileira

Texto de Homo Literatus - 10/06/2016

O Brasil se formou e ainda permanece como sociedade patriarcal. Os homens, durante a nossa história, tiveram supremacia em praticamente todos os âmbitos de poder: na política, na ciência, na cultura. Só em 1827 (!), com a abertura da primeira escola feminina no país, as mulheres passaram a ter o acesso básico à alfabetização, depois de mais de 300 anos de colonização. Devido a essa educação tardia, vieram depois as primeiras escritoras tupiniquins. Hoje, há um número imensamente maior de mulheres produzindo literatura; porém, elas ainda são pouco conhecidas, e isso se agrava mais ainda quando falamos das pioneiras.

O foco acadêmico e social acaba recaindo sempre nos mesmos nomes, já canonizados, como se estas fossem as únicas: Clarice Lispector, Cecilia Meireles, Ana Cristina Cesar – homenageada da FLIP esse ano –, Rachel de Queiroz, e agora Adélia Prado e Lygia Fagundes Telles (cotada ao Nobel de 2016). Sem desmerecer, obviamente, nenhuma dessas brilhantes representantes, creio ser importante também reconhecer as outras, que caem no ostracismo, longe dos holofotes. Por isso, resolvi fazer uma lista para iluminar algumas das moças que permaneceram, injustamente, tempo demais na escuridão.

MARIA FIRMINA DOS REIS (1825-1917)
Maranhense e negra, é considerada a primeira romancista brasileira. Em 1859, publicou o incrível Úrsula, tido pela crítica como o primeiro romance abolicionista e feminista escrito no Brasil, inaugurando a vertente da literatura afro-brasileira. Também era professora e figura ativa na imprensa local, publicando poemas, contos, crônicas e artigos em jornais da época. Além disso, na década de 1880, fundou a primeira escola mista (misturando meninas e meninos) do estado do Maranhão, ousadia que provocou muito rebuliço e incômodo.


Eu não te ordeno, te peço,

Não é querer, é desejo;

São estes meus votos – sim.

Nem outra cousa eu almejo.

E que mais posso eu querer?

Ver-te Camões, Dante ou Milton,

Ver-te poeta – e morrer.


NÍSIA FLORESTA (1810-1885)

Considerada a primeira feminista brasileira, publicou em 1832 o manifesto “Direitos das mulheres e injustiças dos homens”. Também educadora e presença constante em periódicos da imprensa até então jovem, Nísia Floresta rompeu os limites entre o público e o privado que eram impostos às mulheres. Ela viajou pelo mundo, criando contatos e diálogos com Augusto Comte, pai do positivismo, e Alexandre Dumas, importante escritor francês.


Se cada homem, em particular, fosse obrigado a declarar o que sente a respeito de nosso sexo, encontraríamos todos de acordo em dizer que nós nascemos para seu uso, que não somos próprias senão para procriar e nutrir nossos filhos na infância, reger uma casa, servir, obedecer e aprazer aos nossos amos, isto é, a eles homens. (…) Por que [os homens] se interessam em nos separar das ciências a que temos tanto direito como eles, senão pelo temor de que partilhemos com eles, ou mesmo os excedamos na administração dos cargos públicos, que quase sempre tão vergonhosamente desempenham?

NARCISA AMÁLIA (1852-1924)
Além de poeta, Narcisa Amália foi a primeira jornalista profissional do Brasil. Feminista e abolicionista, lutava contra as opressões de gênero e de raça nos seus textos. Foi, de acordo com Sílvia Paixão, “um dos raros nomes femininos que falam de identidade nacional”, contribuindo imensamente para a formação da nossa literatura “numa poética uterina que imprime o retorno ao lugar de origem”.

POR QUE SOU FORTE

Dirás que é falso. Não. É certo. Desço

Ao fundo d’alma toda vez que hesito…

Cada vez que uma lágrima ou que um grito

Trai-me a angústia – ao sentir que desfaleço…

E toda assombro, toda amor, confesso,

O limiar desse país bendito

Cruzo: – aguardam-me as festas do infinito!

O horror da vida, deslumbrada, esqueço!

É que há dentro vales, céus, alturas,

Que o olhar do mundo não macula, a terna

Lua, flores, queridas criaturas,

E soa em cada moita, em cada gruta,

A sinfonia da paixão eterna!…

– E eis-me de novo forte para a luta.

GILKA MACHADO (1893-1980)
Vinda de família de artistas, com mãe atriz, parentes poetas e músicos, Gilka Machado foi uma grande poeta, que, nesses últimos anos, infelizmente caiu no ostracismo. Publicou em 1915, aos 22 anos, seu primeiro livro, Cristais Partidos. Durante a década de 1920, continua a escrever, lançando Estados d’Alma (1917), Mulher Nua (1922), Meu Glorioso Pecado (1928), e Amores que mentiram, que passaram (1928). Foi uma importante precursora da literatura erótica escrita por mulheres. Em 1979, recebeu o prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras.


Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada

para os gozos da vida, a liberdade e o amor,

tentar da glória a etérea e altívola escalada,

na eterna aspiração de um sonho superior…

Ser mulher, desejar outra alma pura e alada

para poder, com ela, o infinito transpor,

sentir a vida triste, insípida, isolada,

buscar um companheiro e encontrar um Senhor…

Ser mulher, calcular todo o infinito curto

para a larga expansão do desejado surto,

no ascenso espiritual aos perfeitos ideais…

Ser mulher, e oh! atroz, tantálica tristeza!

ficar na vida qual uma águia inerte, presa

nos pesados grilhões dos preceitos sociais!

PAGU (PATRÍCIA GALVÃO) (1910-1962)
Sempre relacionada a Oswald de Andrade e condenada ao título de musa, Pagu foi muito mais do que companheira do escritor. Poeta, escritora, tradutora, desenhista, diretora de teatro, jornalista e militante, Patrícia Galvão lutou pela participação política da mulher na sociedade brasileira e foi figura essencial no movimento modernista. Publicou seu primeiro romance, Parque Industrial, em 1933. Primeira mulher a se tornar presa política no país, foi torturada durante muitos períodos em sua vida.

Nada nada nada

Nada mais do que nada
Porque vocês querem que exista apenas o nada

Pois existe o só nada

(…)

Um copo de conhaque

Um teatro

Um precipício

Talvez o precipício queira dizer nada

Uma carteirinha de travel’s check

Uma partida for two nada

Trouxeram-me camélias brancas e vermelhas

Uma linda criança sorriu-me quando eu a abraçava

Um cão rosnava na minha estrada

Um papagaio falava coisas tão engraçadas

Pastorinhas entraram em meu caminho

Num samba morenamente cadenciado

Abri o meu abraço aos amigos de sempre

Poetas compareceram

Alguns escritores

Gente de teatro

Birutas no aeroporto

E nada.

ORIDES FONTELA (1940-1998)
Pertencente à chamada ‘geração de 60’, Orides fez uma poesia filosófica, que se atenta aos detalhes, às brevidades, à palavra-coisa. Teve sua obra completa (de 1969 a 1996) reeditada recentemente pela Cosac Naify, possibilitando uma oportunidade de leitura aos novos leitores, que provavelmente nunca ouviram falar no seu nome.


Tudo

será difícil de dizer:

a palavra real

nunca é suave.

(…)



Tudo será

capaz de ferir. Será

agressivamente real.

Tão real que nos despedaça.



Não há piedade nos signos

e nem o amor: o ser

é excessivamente lúcido

e a palavra é densa e nos fere.

(Toda palavra é crueldade.)


HILDA HILST (1930-2004)
Hilda é, provavelmente, o nome mais conhecido dessa lista. O que ela faz aqui, então? Escolhi-a pois as pessoas podem saber quem ela é, mas quase ninguém a lê verdadeiramente. Além disso, ela é constantemente associada somente à poesia e ao romance, porém, as pessoas negligenciam que ela foi também uma excelente dramaturga e cronista – a meu ver, se estabelecendo como um dos únicos autores brasileiros (aqui, conto com os homens) a atingir alto nível de escrita nos três gêneros principais: lírico, narrativo e dramatúrgico.
 
Das autoras acima apenas ouvir falar de Pagu e Hilda Hilst, e vocês?

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