Não é raro perceber, ao se conversar com um educador, o quanto a falta de apego dos jovens aos livros tradicionais é causa de preocupação. E, no entanto, não é falta de proximidade com textos que causa esse abismo
Por Janaina M. Cerutti
Quantas vezes já não ouvimos falar que os jovens já não possuem mais tanto apego aos livros quanto tinham em outras épocas, ou então vemos educadores praguejando contra a relutância desses mesmos jovens em se aprofundar em formas de leitura? A cada vez que isso acontece, o pensamento coletivo sempre parece se voltar para o fato de que "os jovens não leem".
Entretanto, tal percepção não poderia estar mais longe da verdade - na era em que para as mais simples pesquisas se recorre ao Google ou à Wikipedia e ferramentas semelhantes, o que os jovens mais fazem é, de fato, ler. A forma de comunicação usada na era digital se baseia fortemente na palavra escrita mais do que na falada, e apesar de a imagem e o vídeo serem grande parte dessas novas mídias, a sua verdadeira força se encontra na palavra escrita, e na leitura desta pelos jovens usuários.
O que é certamente mais benéfico nesse tipo de estratégia de busca e formação de leitores é o fato de que o próprio jovem leitor não é, de maneira nenhuma, subestimado. Enquanto adaptações de obras buscam simplificar os entendimentos que devem ser tidos ao longo dos livros mais difíceis, esses livros citados como exemplos apenas indicam o caminho, fazendo com que a vontade e o desejo de ler parta do próprio jovem em formação como leitor, mas sem jamais supor que ele precisa de algo mais simplório para chegar até lá. A capacidade de interpretação e entendimento do jovem deve ser estimulada a crescer, e jamais podada por meio de simplificações grosseiras, que, a um olhar mais profundo, longe de trazerem o leitor para mais perto do livro, o afastam com a mensagem de que este talvez seja, de fato, difícil demais para ele, e fora do alcance da sua capacidade de compreensão.
O ENTENDIMENTO DOS CLÁSSICOS
Outro grande problema que professores encontram em sala de aula quando se trata de ler livros clássicos é a identificação do período do livro na obra escrita em si. É muito simples, para um aluno, absorver características de determinados períodos literários em uma lista citada em um livro ou apostila, mas a dificuldade mais comum é que esses alunos percebam do que, na prática, tais características tratam, e qual a maneira que elas se manifestam em livros da época tratada.
A não realização dessa percepção - de que as características listadas no quadro e decoradas para a prova têm uma manifestação física no livro que eles devem ler - dificulta não apenas o aprendizado de literatura, mas também o entendimento do livro como um instrumento para se aproximar e entender melhor o período em questão. Fazer com que o aluno entenda que o livro é mais do que algumas centenas de páginas sobre as quais ele terá que apresentar um trabalho ou responder a algumas questões, mas que este é, na verdade, a verdadeira essência de tudo o que ele aprendeu em sala de aula a respeito desse período.
Para facilitar esse entendimento, alguns professores acreditam que seja mais simples - e menos indolor - simplesmente apontar as características dentro do livro, fazendo com que a leitura deste se torne praticamente uma caça ao tesouro, onde o aluno busca trechos específicos para saciar as questões que o professor lançou. Uma tática nada funcional a longo prazo, já que, como as adaptações de clássicos fazem, ela já passa a mensagem ao aluno de que ele não conseguiria entender os traços de período sem a ajuda do professor. A ideia que acaba se eternizando na cabeça dos jovens é de que a literatura clássica não é para ele algo acessível, que é distante e difícil demais para seu entendimento, não restando aí nem mesmo a chance de que o aluno deseje se envolver com a literatura que está estudando propriamente dita.
Para auxiliar esse entendimento, é possível traçar paralelos entre livros contemporâneos e populares entre os jovens com os livros clássicos que são o objetivo de todo professor de literatura. Guardadas as proporções, e desde que os alunos percebam que apenas por terem alguns traços tais livros não se tornam automaticamente clássicos, ou mesmo boa literatura, não há nada de errado com recomendar, por exemplo, a leitura da saga Crepúsculo para que os alunos percebam os traços do Romantismo nela presentes, ou que se cite Percy Jackson como referência de uma saga de um herói grego ao se apresentarem poemas épicos.
A ideia base de estratégias de leitura que funcionam é que, po meio do mais simples, se chegue a um quadro de evolução do leitor: que ele consiga perceber traços românticos em Crepúsculo, e passe dele para autores renomados, como Aluísio de Azevedo, percebendo as semelhanças, mas, mais importante, as diferenças, como a profundidade da narrativa e a beleza das palavras escritas em si. O estímulo à literatura leva não apenas ao conhecimento necessário para passar de ano e no vestibular (o que, todos bem sabemos, é o desejo último de grande parte dos alunos), mas à capacidade de compreensão e interpretação de texto; o benefício é mais extenso do que aparente.
Álvares de Azevedo Escritor da segunda geração romântica, conhecida como Ultrarromântica ou Byronista, Álvares de Azevedo faleceu pouco depois do lançamento de Lira dos vinte anos. Marcante em sua geração, foi muito influenciado por Lord Byron, Goethe e François-René de Chateaubriand. Sua obra literária foi toda, é claro, composta durante a adolescência, de modo que a tragicidade e a ansiedade típicas do Romantismo ficam acentuadas em sua poesia. | ||
A HISTÓRIA NA FORMAÇÃO DO LEITOR DE LITERATURA
No caso específico de literatura clássica, ambientada em sala de aula, e com a realização de tal leitura já voltada para a absorção de características do período sendo presentemente estudado, outro grande aliado que é muitas vezes menosprezado ou esquecido é a ambientação histórica do período literário em questão, e a relação da vida cotidiana dos leitores daquela época com o que a obra que deve ser lida retrata de fato.
A ambientação histórica é parte, é claro, do que os professores costumam passar antecedendo a leitura de um clássico, mas muito pouco dela é absorvido pelo aluno, principalmente pela discrepância entre as matérias sendo vistas nas disciplinas de Literatura e História do Brasil em sala de aula. Caso o professor consiga fazer com que seu aluno veja a literatura do período aliada à história dele - os traços de estilo, a maneira como a sociedade via a literatura durante a sua época contemporânea, o impacto social que os autores causavam durante a sua vida - a literatura clássica deixa de ser apenas algo vago, e passa a tomar contornos de manifestação cultural presente e passível de conferência. Ao mostrar para o aluno que, ao ler São Bernardo, de Graciliano Ramos, ele pode perceber traços dos movimentos políticos da época ali expostos, ainda que de forma mais velada ou controversa, que ele pode perceber por meio da estória um pouco da história, a literatura ganha novos contornos, e os clássicos, um novo interesse aos olhos do jovem.
"Meramente expor características do livro dificulta não apenas o aprendizado da literatura, mas também o entendimento do livro como um instrumento para se aproximar e entender melhor o período em questão"
A busca pela interdisciplinaridade entre determinadas matérias é, certamente, muito difícil em determinados casos; mas, no caso específico da literatura e da história, elas devem andar de mãos dadas em todos os casos, como apoio de uma e reflexo social da outra, já que são, indubitavelmente, duas faces de uma mesma moeda, complementares em si, e facilitadoras da compreensão da fase histórica e período literário para o aluno quando unidas como uma só.A realidade é que, como educadores e formadores de leitores futuros, a preocupação não deve ser dirigida ao ato da leitura em si - este já é praticado e utilizado amplamente -, mas sim ao que o jovem está, de fato, consumindo em termos de literatura e o quanto isso pode, ou mesmo precisa, ser alterado.
O grande desafio dos professores de literatura e língua portuguesa em escolas já não é mais fazer com que os alunos leiam: os jovens, na verdade, leem, e muito - mas não o que os professores chamam de literatura "clássica", ou o que esperam.
RECURSOS EM LIVROS PARA LIVROS
Adolescentes e pré-adolescentes leem textos na internet, assim como livros atuais e com assuntos mais variados e vocabulário mais acessível do que clássicos da literatura brasileira, como Macunaíma ou Memórias Póstumas de Brás Cubas apresentam. Os livros, blogs e editoriais que possuem, de fato, um apelo maior para os jovens apresentam encantos que os livros clássicos já não têm, e muitos classificam estes últimos como sendo chatos e difíceis, mesmo antes de sequer tentar entender do que se tratam os problemas de Bentinho, ou qual é a verdadeira saga de Peri e Ceci. Remédio para isso há - e muitos -, mas é necessário haver um trabalho maior em escolas e ambientes que estimulem 59a leitura do que simplesmente longas palestras sobre escritores antigos e obscuros, que parecem tirar o encanto que os livros ainda utilizados em escolas, um dia, já possuíram.
Algumas editoras já perceberam este nicho no mercado - a necessidade de se suprir os jovens com literatura interessante e nova, mas que ainda assim trace um caminho que leve aos clássicos requeridos em todos os vestibulares, sem que esta transição seja dolorosa para o jovem. Um caso a ser apreciado é o da editora Atica, que lançou, já há alguns anos, uma coleção de livros chamada Descobrindo os Clássicos. Com um nome assim, certamente se pensa em uma coleção de adaptações dos livros já tão batidos - mas este certamente não é o caso. A coleção trata de uma série de livros que trazem em suas histórias fatos e detalhes ligados aos clássicos a que se dirigem, mas sem desvendá-los por inteiro, ou mesmo mencioná-los diretamente em alguns dos livros.
Com títulos como Onde fica o Ateneu?, O sertão vai virar mar, e Auto do busão do inferno, os autores, entre eles alguns grandemente renomados, como Moacyr Scliar, retomam os clássicos a que se dirigem - O Ateneu, Os Sertões e Auto da barca do inferno, respectivamente - por meio de histórias novas e de vocabulário mais acessível aos jovens do Ensino Fundamental.
Com isso, não se simplificam os clássicos como adaptações tendem a fazer. Não se resumem apenas as partes essenciais, ou se descrevem algumas características básicas do livro em si, para que o jovem, ao ler o clássico, já tenha todas as respostas que deveria obter ao lê-lo: pelo contrário, os livros tentam fazer com que a curiosidade desperte no leitor mais jovem, preparando-o para ter sede de saber do que se trata o livro clássico, o que o levou a ser eternizado, e quais serão as questões tratadas nele. Dessa maneira, a leitura posterior de um livro como, por exemplo, O Ateneu, apesar de ainda seca para os jovens acostumados com abreviações e palavras fáceis, já passa a ter outro sabor: ele já sabe o que foi o Ateneu, ele já sabe até mesmo o fim do livro, mas as questões permanecem mesmo depois de ter lido esse livro que busca exatamente instigar a curiosidade, e não - como muitas vezes acontece - facilitar as respostas que o próprio leitor deveria buscar.
Alguns outros livros alternativos também se dão à tarefa de buscar trazer a curiosidade de volta aos leitores jovens de hoje em dia em relação aos livros que eles terão de enfrentar em seu Ensino Médio, para que essa experiência seja indolor e nada traumatizante. O escritor Mario Teixeira, por exemplo, em seu livro Alma de Fogo, um episódio imaginado da vida de Álvares de Azevedo, coloca como protagonistas de uma trama policial Álvares de Azevedo e Bernardo Guimarães - ambos grandes nomes da literatura brasileira e figuras obrigatórias dentro de estudos da disciplina de literatura durante a escola.
Diferentemente dos exemplos dados antes, a própria linguagem desse livro já se assemelha à usada pelos escritores citados em suas obras - mas, mesmo assim, ele é mais leve e de mais fácil entendimento do que a usada nas obras que tornaram famosos os dois escritores protagonistas de uma trama de mistérios. Os recursos de linguagem que serão vistos em alguns anos - ou meses - pelos jovens em A Moreninha ou Noite na Taverna já terão sido assimilados por eles por meio de algo mais tangível para os jovens do que os romances de séculos passados - apesar de a ambientação e linguagem serem as mesmas.
Longe de substituir os clássicos, esses recursos de formação de leitores tentam ativar a curiosidade do jovem para o que irão ter de, obrigatoriamente, ler mais tarde. Esses livros, com seus recursos mais atraentes para o público jovem do que os livros clássicos em si, são uma das possíveis soluções para diminuir o distanciamento do leitor atual das obras clássicas que deveriam ser uma descoberta agradável, e jamais dolorosa, como têm se tornado.
A FORMAÇÃO DO LEITOR
Apesar de todas as técnicas de aproximação de jovens - pré-adolescentes e adolescentes já em fase de preparação para o vestibular - com a literatura, de pouco valem todos os esforços nessa fase se a cultura do ler mais do que apenas o estritamente necessário não é estimulada na criança desde cedo.
O estímulo à leitura por prazer e a formação do leitor como preocupação de pais e educadores é como um tratamento preventivo dos males que a falta de leitura pode causar em anos mais tardios na vida da criança - seja na época do vestibular, ou mesmo quando já está na faculdade, sem entrarmos aqui nos méritos da leitura como formadora de cidadãos conscientes e seres humanos críticos da sua realidade. A importância da leitura deve ser salientada para pais e educadores, mas deve-se ter a certeza de que apenas dizer à criança que ler é importante traz muito poucos resultados. O trabalho de formação de leitores é assunto discutido incansavelmente por professores, pedagogos e profissionais da área da literatura e da língua portuguesa num todo, e o único ponto em que todos concordam é que não há uma fórmula de formação de leitores pronta que possa ser usada em todas as crianças e que funcionará sem falhas.
"O estímulo à literatura leva não apenas ao conhecimento necessário para passar no vestibular. Também leva à capacidade de interpretação de texto, tornando o benefício mais extenso do que aparente"
Desde muito pequenas, as crianças são expostas aos hábitos da leitura - a contação de histórias entre pais e mães e filhos é claro exemplo disso. É apenas ao amadurecer, e se tornar "grande demais" para tais hábitos, que essa curiosidade pelas histórias começa a diminuir e pode, em muitos casos, vir a desaparecer. É preciso manter em mente que nunca é cedo demais para que a criança tenha contato com livros, e que ela deve ter o poder de escolha sobre o que gostaria de ler - guardadas, é claro, as medidas de idade e capacidade de entendimento. Entretanto, mesmo a ideia de que um livro é grande demais para tal idade, ou que outro objeto de leitura é complexo demais para tal fase deve ser bem pensada. Se a curiosidade existe, e dela não poderá vir nenhum mal, por que não estimulá-la?
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É importante que pais e educadores interfiram no processo de formação de leitores. No entanto, para que a criança não acabe por se cansar do hábito da leitura, esta deve ser sempre tratada como diversão e forma de lazer, e jamais como uma obrigação enfadonha, que tire a graça do ato de ler. É exatamente o senso de dever ligado aos livros clássicos que causa a falta de vontade dos jovens de lê-los - e esta é uma ideia que vem desde muito cedo em crianças e pré-adolescentes: a certeza de que a leitura é algo doloroso e difícil, e que livros antigos só podem ser ruins, por não tratarem de assuntos recentes.
A desmistificação do que é o ler por lazer e a leitura por estudo é uma necessidade que deve ser abordada desde muito cedo com a criança. Nem todas as tarefas de leitura serão prazerosas, e nem todos os livros jamais lidos serão divertidos, mas na fase da formação do leitor, na montagem da capacitação da criança de sair dos contos em voz alta pela professora ou responsáveis, a leitura deve, sempre, ser um prazer e um hábito ligado diretamente à alegria da descoberta. Forçar uma leitura indesejada só afasta a criança dos livros, problema que causa danos no futuro da criança não só como leitor, mas que pode também ter impactos negativos na capacidade de interpretação dessa criança quando adulta.
Um hábito negativo que costuma aparecer durante essa fase de encantamento com os livros é a subestimação dos adultos para com a capacidade de interpretação das crianças. Apesar de jovens, as crianças não têm nenhuma falta de capacidade de abstração - é, na verdade, a partir de estímulos feitos durante essa fase que essa capacidade se desenvolve e cresce, de maneira a facilitar compreensões posteriores, e a tendência de simplificar tudo para as crianças é muito mais um mal do que uma ajuda à criança em questão.
É preciso tratar o jovem leitor, tanto na fase inicial de leitura quanto em todas as demais, como alguém apto a entender a mensagem passada pelos livros que lê. Nem todos os livros têm uma "moral da história", e isso é uma das grandes vantagens da literatura infantil atual em relação aos livros infantis antigos. Já não se espera que cada história traga uma lição de vida e algo a ser apreendido para a criança com caráter educacional. A leitura e a literatura infantil devem, sobretudo, causar a curiosidade e estimular as conclusões da própria criança, para que esta cresça sabendo que pode compreender as mensagens dos livros sem auxílio direto de terceiros.
É dessa autoconfiança como leitor jovem que nascem os leitores capazes no Ensino Médio e na vida à frente, tratando desde sempre o leitor como ser pensante e capaz de abstrair as mensagens dos livros sem a necessidade de um tradutor de ideias.
Janaína Cerutti é professora de inglês, estudante de Literatura e colaboradora em diversos sites e projetos sobre escrever.
Fonte: conhecimento prático- Língua Portuguesa
Retalhos no Mundo:
Como é a sua relação com os Clássicos?
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