João da Ega: Memórias de um Átomo
Seis romancistas 'inventam' um início para o romance que a famosa personagem d'Os Maias desejava escrever e o sétimo imagina a sua estrutura.1) Manuel Jorge Marmelo
Eis que posso beneficiar, enfim, de algum sossego após as mil atribulações em que desde o início dos tempos me tenho visto confundido, eternamente em bolandas (1).
A existência de um átomo não é coisa amena nem descontraída, bem pelo contrário, condenado, como é da nossa condição, a participar em contínuo na grande azáfama (4) da reinvenção das matérias mais vulgares do mundo. Entre ser grão de pó e luz das estrelas, já perdi já a noção de quantas substâncias incorporei no decurso do grande tropel do universo, mas não a sua recordação, pois que desde o momento inicial tenho impresso no mais íntimo do núcleo a memória de tudo o que hei de ser até o momento em que tudo se extinga e volva a ser nada. O mais complexo é contá-lo e incluir nisto alguma ordem inteligível. Um átomo não conhece o tempo: existe desde sempre e para sempre - como se, numa comédia, se condensasse o curso da história num único e íntimo instante, numa palavra mínima que resumisse tudo. Hu.
Na fração do ininterrupto em que transitoriamente estacionei, insignificante parcela absoluta no corpo de um escritor de novelas, forcejarei, em todo o caso, por dar sentido e continuidade ao que é amálgama (2) e caos. Redigirei as minhas memórias como se, com voz grave de contador de casos, as narrasse a partir do futuro, de um lapso do espaço-tempo que não existe e é apenas amálgama e quantum (3), eternidade.
Era uma vez, pois, o início do mundo.
(Fonte: JL)
Vocabulário:
1) Bolandas: s. f. pl. || baldões, tombos. [Usa-se na locução andar em bolandas.] F. talvez do cast. Volandas
2) Amálgama:. Fig. Mistura de coisas ou pessoas de natureza diferente, formando um todo: "Homens de todas as cores, amálgamas de diversas raças..." (Euclides da Cunha, Os sertões.)
3) Quantum: sm. 1. Fís. A menor quantidade, indivisível, de energia eletromagnética.
4) Azáfama: sf.1. Grande pressa e dedicação na execução de um trabalho, de uma tarefa etc.: "(...) um menino que entrava e saía sem descanso, numa azáfama dos diabos (...)" (Adolfo Caminha, A normalista))
(Fonte: http://aulete.uol.com.br)
Complemento:
(Fonte: http://osmaiasemanalise.wikispaces.com/Personagens+Secund%C3%A1rias)
João da Ega
Amigo e confidente de Carlos da Maia e filho de uma viúva rica e beata, de Celorico de Basto.
Caracterização física:
Ega usava “um vidro entalado no olho”, tinha “ nariz adunco, pescoço esganiçado, punhos tísicos, pernas de cegonha” – retrato idêntico ao de Eça.
João da Ega é a projecção literária de Eça de Queirós.
Personagem contraditória – por um lado, romântico e sentimental, por outro, progressista e crítico sarcástico do Portugal do Constitucionalismo.
(Fonte: http://osmaiasemanalise.wikispaces.com/Personagens+Secund%C3%A1rias)
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