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18 julho 2012

“As ‘Girls’ não existiriam sem ‘Sex and the City’”, diz criadora da série

14/07/2012 - POR MARIANE MORISAWA, DE PASADENA (CALIFÓRNIA



Lena Dunham é roteirista e atriz da nova série da moda. Ela contou à Glamour o que as quatro amigas de Nova York tem para dizer

Lena Dunham passou por aquele momento “e agora?” logo depois de se formar na universidade. Foi difícil arrumar emprego, e ela teve de se virar em lojas de bebês e estágios pouco promissores. Hoje, sua vida tomou um rumo bem melhor: aos 25, é criadora, roteirista e atriz de “Girls”, seriado da HBO produzido por Judd Apatow (“Missão Madrinha de Casamento”) que é um dos maiores sucessos da temporada e estreia dia 23 no Brasil. Essas experiências todas – fora uma certa tendência de se envolver com os caras errados – viraram tema dos episódios, protagonizados por quatro garotas de 20 e poucos anos às voltas com as dificuldades da vida adulta. Lena Dunham falou à Glamour:

Muito se falou sobre as semelhanças de “Girls” com “Sex and the City”. Mas acha que “Girls” existiria sem “Sex and the City”?
Acho que essas garotas de “Girls” não poderiam existir sem “Sex and the City”. Suas ideias sobre o que significa ser mulher e o que significa morar em Nova York são totalmente formadas por “Sex and the City” e as ideias de feminismo que existiam no seriado. Eu me lembro de ler o livro “Ele Não Está Tão a Fim de Você” na faculdade porque alguém mencionou em “Sex and the City”. O impacto cultural da série é gigantesco.


 Mas “Girls” é muito diferente
Eu espero que sim. Nós sabíamos que ia haver comparações, porque são garotas em Nova York e são quatro amigas, mas acho que o tom e o conteúdo são diferentes. E também a idade das personagens, elas estão num momento na vida totalmente diferente das mulheres de “Sex and the City”.Mas “Girls” é muito diferente.

É bem novo ver que essas garotas moram em apartamentos apertados e bagunçados, normalmente não é assim na televisão.
Eu sei! A produtora Jenni Konner e eu dizíamos, quando estavam construindo os cenários: “Temos de deixar esses apartamentos bem pequenos”. Aí quando estávamos rodando vimos que chatice é filmar num cenário apertado! Você deseja não ter tido essa ideia (risos).


Girls home (Foto: Divulgação)

Sendo tão jovem, você é invejada por muitos. Como foi que conseguiu ter seu projeto aprovado pela HBO?
Eu fiz o filme “Tiny Furniture” e tive sorte porque as pessoas viram e houve repercussão. Isso possibilitou que eu encontrasse as pessoas da HBO, Jenni Konner e Judd Apatow. Acho que só foi possível porque decidi fazer um filme sozinha, sem apoio, e isso levou a que pessoas me apoiassem. Agora tenho essa infraestrutura excelente, o que torna tudo mais fácil e menos aterrorizante do que poderia ser. Mas realmente não esperava ter só 25 anos e passar por essa experiência! (risos)


Não há pressão em trabalhar com Judd Apatow, diretor de tantas comédias de sucesso e produtor de “Missão Madrinha de Casamento”?
Sim! Quando o encontrei pessoalmente pela primeira vez, ele foi a Nova York, e eu estava tão nervosa! Fiquei esperando na frente de seu hotel, porque cheguei uma hora adiantada, usava minha roupa mais adulta (risos). Aí ele desceu usando camiseta e shorts de ginástica e parecia tão relaxado que, sem trocar uma palavra, todo o medo foi embora. Ele é uma pessoa tão calorosa e confortável... Colabora muito e tem bastante experiência, mas não fica demonstrando isso. Quanto ao sucesso de “Missão Madrinha de Casamento”, só nos ajuda, porque o filme prova que Judd entende aquelas comediantes, aquele público... Isso sempre apareceu em seu trabalho, mas agora ficou provado que as mulheres podem ser engraçadas. É uma boa atmosfera para um seriado como o nosso.


O seriado vai falar de tudo? Gravidez, aborto? Não há nenhum assunto proibido?
Tentamos falar de tudo que uma garota dessa idade possa experimentar. Tentamos ser sensíveis, mas também ser realistas. São preocupações quando você tem essa idade: gravidez, DSTs, questões emocionais. Quando você tem 24 anos, sua vida envolve tipos diferentes de drama (risos).


Seus pais parecem bastante liberais. Eles viram o seriado? Houve algum momento esquisito?
Eles viram algumas coisas, porque querem acompanhar pela televisão, o que acho bem fofo. Se bem que, se passar na mesma hora de “Homeland”, vamos ter um problema (risos). Mesmo assim, sempre é esquisito quando seus pais a veem fazendo uma cena de sexo. Meu pai, mais do que minha mãe, cobre seus olhos. Ele não fica chateado que eu tenha feito, mas acha estranho assistir. O que me parece totalmente razoável (risos).


Tanto “Tiny Furniture” quanto “Girls” têm homens se comportando de maneira realmente irritante em relação às garotas. Isso é algo comum entre rapazes nova-iorquinos dessa idade?
É uma combinação de algo particular de nova-iorquinos dessa idade, que se sentem no direito, que acham que podem falar com as garotas da maneira como quiserem, porque estamos em tempos liberais, que têm medo de compromisso, e minha própria atração inexplicável por tipos irritantes, sei lá por que razão... (risos) É minha cruz!


Você mencionou que passou por uma série de humilhações. Qual a pior de todas?
Elas não são grandiosas. São pequenas coisas que acontecem diariamente, quando você está tentando se relacionar com outras pessoas. Meus dois primeiros filmes são sobre caras que querem dormir na sua cama, mas nem trocar um beijo. São relações confusas, indefiníveis, que levam a muita vergonha e ansiedade. Colocando-as na tela eu posso pensar bastante nelas e aí repetir tudo de novo! (risos)


Passou por estágios horríveis, como sua personagem?
Sim. Teve um em que precisei cuidar do marido de uma pessoa, porque ele estava gripado, e ela não queria ficar doente (risos). Realmente, não queria usar meu diploma para isso. Ao mesmo tempo, não queria ser demitida. Mas também teve um dia em que todos estavam fora e eu me tranquei para fora do escritório. Minhas coisas estavam todas lá dentro... Fui para casa, não sabia mais o que podia fazer! Eu era a pior estagiária do mundo.
  

Você tira tantas coisas da sua vida para o seriado, mas sua vida deve ter mudado tanto... não teme que fique sem material?
Temos uma grande equipe de roteiristas, então, contando todo o mundo, temos um bom estoque de histórias e experiências. Mas, mesmo se você é mais bem-sucedida no trabalho, ainda assim se relaciona com outras pessoas, e isso nunca é simples só porque as questões profissionais estão melhores. Espero que não, mas acredito que sim, haverá mais experiências pessoais para colocar no seriado! (risos)
Fonte: Glamour

16 abril 2012

John Lennon, a última entrevista

2 meses antes de ser morto, o cantor concede entrevista, com Yoko Ono, em seu apartamento

DAVID SHEFF
No Dakota, o vigia idoso, que mais parecia um objeto do que um auxiliar, diante do edifício cinza, fantasmagórico, abriu as portas do carro para nós. John saudou o homem pelo nome e, de modo apressado, mas gentil, sorriu para algumas fotos tiradas com um fã que estava esperando desde cedo, apenas para ter a chance de conhecê-lo. Após dois rápidos flashes da câmera, John se encaminhou para a entrada às cegas. Piscando a fim de recuperar a visão, ele parou de repente. “Ops, querida, espero que você esteja com as chaves de casa. Eu me esqueci das minhas”.
Yoko não respondeu, mas usou suas chaves para chamar o elevador. John me olhou encabulado. “Eu nem precisava perguntar”, disse com um riso forçado.
Dentro do apartamento, John me guiou por um corredor coberto por fotografias até a cozinha, onde me disse para esperar enquanto ele se arrumava. Yoko tinha se dirigido para outra parte do apartamento. Enquanto eu olhava à volta da imensa cozinha recém-pintada, abastecida com potes de chá e café, especiarias e grãos, ouvi vozes de um quarto distante: uma criança dando risadas e um pai fingindo que lhe dava uma bronca.
“Então, seu malandro, por que ainda não foi dormir? Ah, ha! Muito bem, eu teria lhe dado um beijo de boa noite mesmo que você já estivesse dormindo, seu bobo.”
John voltou para a cozinha completamente revitalizado e, enquanto colocava uma chaleira de água para ferver, explicou que o filho, Sean, não estava acostumado ao novo horário dele e de Yoko, que ficavam até tarde trabalhando no disco. Antes desse projeto, John permanecia em casa praticamente o tempo todo.
Yoko entrou na cozinha vestindo um robe parecido com um quimono, e John preparou três xícaras de chá. “Bem, devemos começar?”, ele perguntou enquanto se sentava.
Olhei para ambos, esperando atentamente, e comecei. “A novidade é esta: John Lennon e Yoko Ono estão de volta”.
De imediato, John interrompeu e, gargalhando, cutucou Yoko. “É mesmo?”, ele brincou. “De onde?”. Sorri e continuei: “Ao estúdio, gravando novamente, pela primeira vez desde 1975, quando sumiram da vista do público. O que vocês fizeram durante todo esse tempo?”.
John virou-se para Yoko, gracejando. “Você quer começar, ou devo eu?”, ele perguntou.
“Você começa”, ela respondeu com firmeza.
“Eu mesmo? De verdade? OK…”. John se reclinou na cadeira, segurando firme a xícara de chá nas mãos, com energia. Enquanto observava o vapor que subia, começou.
Lennon – Eu andei fazendo pão.
Playboy – Pão?
Lennon – E cuidando do bebê.
Playboy – E quais os projetos secretos que guardava no porão?
Lennon – Você está de brincadeira? Não havia nenhum projeto secreto no porão. Pois pão e bebês, como qualquer dona de casa sabe, são um trabalho em tempo integral. Não deixam espaço para outros projetos.
Depois que eu fazia os pães, me sentia como se tivesse conquistado algo. Mas, quando via o pão sendo comido, pensava: Meu Deus! Será que não vou ganhar uma medalha de ouro, ou uma condecoração, ou qualquer outra coisa?
E trata-se de uma tremenda responsabilidade observar se o bebê está recebendo a quantidade adequada de comida e não se empanturra, e se está dormindo o suficiente. Se eu, no papel de mãe, não o colocasse para dormir e garantisse que ele tomasse banho às sete e meia, ninguém mais o faria. É uma tremenda responsabilidade. Hoje, entendo as frustrações daquelas mulheres por causa de todo o trabalho. E, no final do dia, não há um relógio de ouro à espera. [...]
Playboy – Por que você se tornou um dono de casa?
Lennon – Era uma questão de curar a si mesmo.
Ono – Havia uma pergunta: O que há de mais importante em nossa vida?
Lennon – Era mais importante olharmos para nós mesmos e encararmos a realidade do que continuarmos uma vida de rock’n’roll ligada ao show business, subindo e descendo ao sabor dos ventos, tanto do próprio desempenho quanto da opinião do público sobre nós. E havia ainda mais uma coisa.
Vamos usar Picasso como exemplo. Ele apenas se repetiu até a morte. Não é uma questão de negar o imenso talento, mas os últimos 40 anos do pintor foram de repetições. Que não levaram a nada. Que nome se dá a isso? Viver dos próprios louros.
Você entende, em meus trinta e poucos anos, eu me vi numa posição em que, por algum motivo qualquer, sempre me considerei um artista, ou músico, ou poeta, ou o que quer que queiram chamá-lo, e a tal dor do artista sempre foi paga com a liberdade do artista. E a ideia de ser um músico de rock’n’roll de certa forma se adequava a meus talentos e mentalidade, e a liberdade era maravilhosa. Então eu percebi que não era livre. Eu estava encaixotado. Não era somente por conta do meu contrato, embora o contrato fosse uma manifestação física do estado prisional. Considerando isso, eu poderia muito bem ter optado por um emprego de nove às cinco, que estaria seguindo o mesmo caminho. O rock’n’roll tinha perdido a graça. Então, havia as opções padronizadas em meu ramo de atividade: ir para Las Vegas e cantar meus maiores sucessos — caso tenha alguma sorte — ou ir para o inferno, que foi o destino de Elvis.
Ono – Você pode se tornar um estereótipo de si mesmo.
Talvez estivéssemos nesse caminho. Isso era uma coisa que não desejávamos fazer. É o que mais desprezo no mundo artístico. Você pega uma pequena ideia como “tudo bem, sou um artista que desenha círculos”. Então se agarra a ela e a transforma em seu rótulo. Você consegue uma galeria e patrocinadores e tudo o mais. E essa passa a ser a sua vida. No ano seguinte, talvez, você faça triângulos ou qualquer outra coisa.
É uma enorme pobreza de ideias. Assim, se você seguir em frente e fizer isso por cerca de dez anos ou mais, as pessoas se dão conta de que você é alguém que durou dez anos e merece um prêmio [risinhos]. Essa rotina é simplesmente ridícula.
Lennon – Você recebe o grande prêmio quando desenvolve câncer, e passou vinte anos desenhando círculos ou triângulos.
Ono – E, então, você morre.
Lennon – Certo. O maior prêmio de todos é quando você morre – um prêmio realmente grande por morrer em público.
A Última Entrevista de John Lennon
David Sheff
Trad.:Vania Cury
Nova Fronteira
Fonte: Cult

30 março 2011

Entrevista: Elba Ramalho

Por Guilherme Bryan

A cantora Elba Ramalho completará 60 anos em 17 de agosto e encerra as comemorações dos 30 anos de carreira, completados em 2009, com o CD e DVD Marco Zero – Ao vivo, gravado em 12 de março de 2010, no Marco Zero, em Recife (PE), e agora lançado. Ali estão vários sucessos de sua carreira, como Morena de Angola, O meu amor, De volta pro aconchego, Chorando e cantando e Frevo mulher. Entre os convidados especiais, aparecem Geraldo Azevedo e Zé Ramalho, que, com ela e Alceu Valença, venderam milhões de cópias do projeto O grande encontro, em três volumes.

Com 30 álbuns lançados, Elba Ramalho começou a carreira como baterista da banda de rock As Brasas, teve carreira como atriz no teatro, no cinema e na televisão, a ponto de se considerar uma “cantriz”, participando de clássicos como Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, e A ópera do malandro, de Chico Buarque. Ela lançou o primeiro álbum, Ave de prata em 1979 e, desde o início, chamou a atenção por sua vitalidade e exotismo em cima do palco, apresentando ao grande público de São Paulo e do Rio de Janeiro os mais tradicionais ritmos nordestinos. Entre eles, estão baião, maracatu, xote, frevo, caboclinho e forró, ritmos que povoaram o imaginário desde a infância da menina nascida em Conceição da Paraíba e que tem Luiz Gonzaga como principal referência.

Mãe de Luã, com o cantor Maurício Mattar, e de Maria Clara, Maria Esperança e Maria Paula, as três adotivas, Elba Ramalho recomenda essa experiência, que considera prova de “amor incondicional”. Esbanjando forte espiritualidade, declara que seu livro preferido hoje é a Bíblia, da qual faz questão de ler várias páginas diariamente. A respeito de estar prestes a se tornar sexagenária, declara: “Todo mundo chega lá e espero que chegue como eu, com lucidez, paciência e consciência de que o amor deve ser muito mais elevado em coisas da alma do que deste mundo”.

Como é estar próxima de completar 60 anos?
Não penso na idade, mas no que construo internamente todos os dias, observando onde elevo o espírito, fraquejo, erro e posso melhorar. Com relação à cronologia humana, me sinto confortável, com juventude, saúde e disposição de quem tem uma carreira estável, mais sabedoria e consciência a respeito dos valores morais e éticos com os quais temos que conduzir nossa vida.

Como é comemorar os 30 anos de carreira com o CD e DVD?
Eu tinha de fechar o ciclo dessa comemoração de um ano e pouco dos 30 anos de carreira, iniciado com o álbum Balaio de amor, no qual trouxe novos compositores, com Marco Zero – Ao vivo, para congregar num mesmo espetáculo os meus amigos e o público pernambucano, traduzindo o afeto do resto do Brasil. Esse trabalho também marca a minha relação com a cultura pernambucana, embora seja uma cantora de muitos lugares do mundo, por onde minha cultura se espalha. Foi uma noite de emoção e festa, em que fizemos o melhor que pudemos naquelas circunstâncias. E a história continua. Daqui a pouco, virarei a página desse trabalho e seguirei para outros.

Quando você descobriu que tinha o dom de cantar?
 Acho que não descobri. O destino é que foi me conduzindo. Fui para o Rio de Janeiro em 1974, buscando o palco, sem saber se queria ser cantora ou atriz. A música já tinha existido na minha vida como baterista de uma banda de rock e a atriz entrava para fazer sempre trabalhos musicais. Aí, passei a conviver com Zé Ramalho e Geraldo Azevedo, e as circunstâncias me fizeram chegar ao disco. Tive, então, de zerar mais uma vez a minha vida e começar a história da música. Respeito muito os sinais. Gosto da imprevisibilidade e de nada arquitetado, como “vou estabelecer uma carreira assim e vender 1 milhão de discos”.

Qual é a sua impressão sobre seu primeiro álbum, Ave de prata?
Foi um disco importante. Entre erros e acertos, joguei ali toda a minha energia, imaturidade, mas também a vontade de chegar como uma voz nova e definir uma posição na música brasileira. Um jeito diferente de ser e cantar. Fiz o que poderia naquele momento e lembro que parte adorava, outra rejeitava. Mas a história de todo artista é feita assim.

Em algum momento você achou que dedicaria a vida apenas à carreira teatral?
Não. Quando comecei a ser atriz, também comecei a tocar e, quando você é tocado pela música, não desapega nunca mais. Ela é muito forte. Quando a atriz atuava, era em cima de melodias e ritmos. A inspiração vinha sempre dali e nunca me desligava das rodas de música. Acho que, se fosse somente atriz, um lado meu ficaria completamente morto e infeliz.

E como você ganhava dinheiro para sobreviver? 
 Fui trabalhar na Mesbla [extinta loja de departamentos]. Datilografava a ficha do crediário e ligava para o serviço de aprovação de crédito. Mas trabalhei também em uma ótica e ainda como auxiliar de trânsito, orientando as velhinhas. Quando entrei na Universidade Federal de Pernambuco, virei bolsista da biblioteca e depois estagiário do jornal universitário. Em seguida, fui para a livraria Livro Sete [onde hoje é a Livraria Cultura Paço Alfândega, no Recife], como vendedor.

A experiência teatral é importante para como você se apresenta nos shows?
Me tornei uma “cantriz”. Alguém que canta e atua. O respaldo que o teatro me deu transparece em meus shows. Posso me apropriar da cena com a autoridade de uma atriz e dos textos como quem sabe interpretar. Isso me faz ser a artista que sou.

Qual é a importância de Morte e vida Severina e A ópera do malandro na sua carreira?
Subi ao palco para atuar em Morte e vida Severina quando tinha 16 anos, e me honra bastante ter sido vista pelo próprio João Cabral [de Melo Neto]. Esse é um texto que me persegue, no bom sentido, até hoje, porque o considero um dos poemas mais incríveis em termos de sentimento de nosso povo. Depois, o encenei no cinema e na televisão, quando fui dirigida pelo mestre Walter Avancini. Esse, considero um dos momentos mais brilhantes da televisão brasileira. A ópera do malandro foi meu divisor de águas. Ali, eu estava fechando um ciclo do teatro e conhecendo Chico Buarque, que foi importantíssimo, pois percebeu o meu talento e, com seu jeito simples, mesmo sendo um dos maiores compositores do mundo, me deu a oportunidade de cantar no disco dele. Ele é uma das pessoas mais generosas, bondosas e desprendidas que conheci.

Incomoda ter a imagem muito marcada como cantora regional?
Não. Adoro o slogan “Elba é do Nordeste” ou “Elba canta forró”. Alguns ousam dizer que sou rainha do forró. Mas não sou rainha de nada. Só teve uma rainha, que foi Marinês, rainha do xaxado. Mas represento muito bem o meu Nordeste e, modéstia à parte, sei cantar forró como poucas sabem.

Você acredita que ajudou a resgatar e popularizar alguns ritmos nordestinos? Trouxe para as classes de “a” a “z” do Rio de Janeiro e de São Paulo, os dois grandes centros, um Nordeste que gostaram de ver e ouvir, mas que não conheciam. Talvez não entendessem muito o que era coco, xote, baião, maracatu, frevo e caboclinho, mas viam o todo da artista que estava em cena, fazia espetáculos grandiosos e era histriônica, exuberante e exótica. Eu não me vestia de gibão e chinelo de couro para xaxar e mostrar a regionalidade que tinha conhecido através de Marinês e Luiz Gonzaga. Me vestia, sem querer, como a Tina Turner nos Estados Unidos.

Seu trabalho também ajudou a disseminar a cultura nordestina pelo mundo?
Sempre fui elogiadíssima fora do Brasil. Nunca houve uma crítica contra. Isso me deixa feliz, mas gosto mesmo é de cantar no Brasil.

Luiz Gonzaga continua sua principal referência artística?
Gravei dois álbuns, um em estúdio e outro ao vivo, e um DVD em homenagem a Luiz Gonzaga, que é nosso rei. A nossa história está fundada na obra dele, que teve a oportunidade de traduzir, em seu canto e poesia, os costumes, a cultura e os sentimentos de nosso povo, assim como o canto dos nossos pássaros, a alegria e a dor, a chuva e a seca. Na sequência, vem Dominguinhos, que também é um compositor importante, mais contemporâneo, e um grande instrumentista. Sem esse acordeom, não teríamos nossos ritmos.

Você foi precursora de cantoras como Daniela Mercury e Ivete Sangalo?
 Não sou baiana e o movimento de axé na Bahia aconteceria, mesmo se eu não existisse. Não sou prepotente e arrogante o suficiente para me encarar como precursora. Não visto essa carapuça. Talvez em alguma madrugada escura de Ivete e Daniela, que são fantásticas e talentosíssimas, eu as tenha influenciado, inspirado ou elas tenham visto alguma coisa de Elba Ramalho e gostado. Já ouvi Ivete dizer que fui influência para ela, que, quando estava começando, subiu ao meu palco e cantou comigo Bate coração. Daniela também assistiu ao meu show no começo da carreira.

Quais são as cantoras que mais admira?
Fora as antigas, como Dalva de Oliveira, Isaurinha Garcia, Angela Maria, Ademilde Fonseca e Aracy de Almeida, o movimento tropicalista veio num momento muito importante da minha juventude, quando tinha 16, 17 anos. Absorvi muito bem a explosão de Gal e Bethânia, e as tive como referências de estrelas da música brasileira. Vi muitos shows e ouvi os discos delas. Gosto até hoje e tenho a maior admiração e respeito.

Você tinha ideia de que o projeto O grande encontro faria tanto sucesso?
Tinha ideia de que seria bacana, mas nunca crio expectativas do quanto vai vender. Quero que as pessoas vão e saiam felizes. O grande encontro foi um momento único na música brasileira. Quatro artistas fortes e de personalidade, de posicionamento, se juntaram e arrebataram milhões de seguidores. Me senti um pouco uma “Beatle” naquela época (risos), vendo o mesmo ginásio lotado dez vezes e vendendo milhões de discos.

Como é a experiência de ser mãe?
Amo meus filhos. Luã estuda música em Berkeley e minhas três meninas moram comigo. Sempre sonhei adotar, adotei e elas são minhas filhas de alma, coração e sangue. O amor é o mesmo. E acho que todas as pessoas deveriam abrir espaço no coração para esse exercício de amor incondicional.

Você descobriu, no ano passado, um tumor de baixa malignidade no seio?
Foi como um cisco no olho, que você lava, tira e toca sua vida para a frente. Graças a Deus, não tive nada sério, nem complicado. Não fiz quimioterapia e não tenho mais nada. O que tive, muitas mulheres têm silenciosamente, mas tive a tranquilidade de dizer, para que sirva de exemplo outras mulheres. É ter saúde equilibrada e mente serena.

De onde vem essa sua espiritualidade tão forte?
 É minha busca, é de toda a vida. Desde adolescente, tenho meus mistérios e conversações internas. Tenho o maior amor a Deus e a fé é meu suporte. Sem ela, não caminho. É a consciência de que precisamos ser mais condescendentes e arregaçar a manga para nos dedicar ao próximo. Tomar a caridade como grande exercício para nossa salvação e eternidade. Para mim, a vida não para com a morte e nem a considero uma coisa sinistra. Sou uma pessoa de oração e compartilhamento. Sigo os passos do meu Cristo e tenho a Virgem Maria como amparo em meu coração.

Qual é a importância da leitura?
 Tive a oportunidade de subir ao palco aos 14 anos para declamar um poema de Manuel Bandeira. Outros poetas que me pegaram desde cedo foram Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Maiakóvski, Bertolt Brecht, Mario de Andrade e Oswald de Andrade. Também tenho muitos livros de Vinicius de Moraes e João Cabral [de Melo Neto]. Li muito Edgar Allan Poe, Ernest Hemingway, Jean-Paul Sartre e Platão. Hoje, meu livro predileto é a Bíblia, que me alimenta. Acho que todo mundo deveria sempre entrar numa livraria, pegar um livro, folhear e ler, pois qualquer história bem contada, da forma mais simples, pode transformar, acrescentar muito ao seu espírito e à sua vida.

Você cursou economia e sociologia na Universidade Federal da Paraíba?
Não fui uma adolescente alienada. Quando tinha 15, 16 anos, não vivia nas boates, nem no vazio. Essa base é o que me faz ter consciência, embora ainda não seja plena, do mundo, das pessoas e de todos os assuntos. Sempre gostei muito de ler e estar com pessoas inteligentes. Fui estudar economia mais para agradar meu pai. Em sociologia, me aprofundei bastante. Mas, se tivesse feito escola de música, teria estudado bem mais! ©

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