Por: Manuel Halpern
Desde que Larry Clark filmou Kids, em 1995, que os adultos puseram as mãos na cabeça e exclamaram: "Meu Deus, o que é feito dos nossos filhos?". O tratamento de choque foi dado e repetido. E a questão voltou a levantar-se tão bem em Paranoid Park(2007) e Elefante (2003), de Gus Van Sant, como em 17 raparigas (2011), de Delphine Coulin e Muriel Coulin, que mostra uma escola onde várias estudantes decidem engravidar. A conclusão é sempre a mesma: temos motivos para entrar em pânico. A adolescência é o período onde se tomam as grandes decisões que poderão ser fatais para o resto da vida. O mundo dos perigos desconhecidos, que os pais comodamente resolvem com um " é da idade, depois passa.
Enquanto objeto cinematográfico, a adolescência é um universo fascinante desde, pelo menos, Rebelde sem Causa (1955), de Nicholas Ray, exatamente devido a essa ligação com o risco e a forma de estar extrema, no lusco-fusco entre a infância e a idade adulta. A propensão infantil para o egoísmo aliada à vertigem pela imitação dos adultos, com um gosto pelo excesso, torna a adolescência apelativa mas extremamente difícil de tratar. Mais difícil ainda do que a infância ou a velhice. Os adolescentes são incompreendidos e incompreensíveis.
Michel Gondry é um realizador francês radicado nos Estados Unidos, habituado a fazer telediscos, incluindo de alguns rappers, e autor de um filme de culto, O Despertar da Mente (2004), que vinga pelo experimentalismo na história contada. Gondry encontrou uma estratégia para entrar de forma mais profunda neste tema difícil. Devolveu o ângulo aos alunos de uma escola, numa prática habitual para documentários ou repérage de argumento, chegando ao ponto de lhes entregar o desenvolvimento e interpretação do próprio filme, sendo esta história a conclusão de um projeto numa colónia de férias dos arredores de Nova Iorque. Não é um documentário, nem sequer um docudrama, é um filme em que não-atores fazem de si próprios. De resto, como tem sido prática em algum do mais notável cinema português, de Pedro Costa a Miguel Gomes, passando por João Salaviza e Basil da Cunha, para não falar de Gambozinos, de João Nicolau, que foi feito precisamente em interação com uma colónia de férias na Verdizela.
Michel Gondry fecha a ação no autocarro que atravessa o Bronx (zona de Nova Iorque tão bem retratada por Spike Lee), no último dia de aulas. Não se trata das típicas carrinhas da escola, amarelas com quatro rodas apenas, mas um transporte público regular, da Carris lá do sítio, de que os jovens se apropriam sem resistência, tendo o único e relativo contraponto na motorista. Quando sobem a escada do autocarro, a maioria dos outros passageiros desce, evitando o confronto. Mas a desgraçada sorte de quem apanhou um bando de adolescentes na viagem nem chega a ser tema, resolve-se e assume-se nos primeiros minutos. O estado de absoluta e exagerada insubordinação torna-se secundário, para dar espaço às relações dentro do grupo, construídas à base de jogos de humilhação, em que o bullying é bastante mais popular do que o baseball. Gondry procura chegar ao âmago, e descobrir a adolescência nos seus afetos e contradições. Não se preocupando tanto com o experimentalismo social - um big brother dentro do autocarro -, descartando-se do pseudorrealismo das cenas (o que talvez seja pena) e evitando impor regras demasiado rígidas (não é um mero exercício de estilo, há cenas fora do autocarro).
A descoberta essencial neste retrato de Gondry está resumida no título. Apesar das enormes diferenças de personalidade e de níveis de maturidade, há uma característica carregada ao fundo no espírito adolescente. Precisamente a diferença entre o eu grupal e individual, exemplificada de forma evidente na personagem de Michael. O indivíduo bestializa-se no grupo e desconstrói-se fora dele. A identidade anda algures pelo caminho.
Fonte: JL
A Malta e Eu
- Título original:
- The We and the I
- De:
- Michel Gondry
- Com:
- Michael Brodie, Teresa Lynn, Raymond Delgado
- Género:
- Drama
- Classificação:
- M/12
- Outros dados:
- EUA/FRA/Afeganistão, 2012, Cores, 103 min.
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