Pais e mães recorrem a psicoterapia e cursos para evitar que o bebê, fonte de alegria familiar, se transforme em uma bomba-relógio para o casal
Por Nathalia Goulart
Com 37 anos de profissão, o ginecologista e obstetra Alberto D’Auria assistiu, na última década, a uma mudança entre suas pacientes – e maridos: a explosão do número de casais que balançam com a chegada dos bebês. A constatação levou o médico a intensificar uma orientação. "Atualmente, encaminho metade das minhas pacientes para a terapia, seja a individual ou a de casal. Isso não acontecia antes", diz o especialista, da Maternidade Pro-Matre Paulista. A nova orientação é uma tentativa de dar solução ao problema antigo. O rebento traz alegria e satisfação, mas com ele vêm também trocas de fraldas, choros prolongados, noites mal dormidas e gastos adicionais.
Segundo os especialistas, embora antiga, a "crise da cegonha" vem se tornando mais visível e aguda devido às mudanças ocorridas na vida das mulheres a partir da segunda metade do século XX – especialmente, sua entrada em massa no mercado de trabalho e a crescente autonomia em relação aos homens. Agora, elas tendem a optar pelos filhos quando suas carreiras já deslancharam. E, ainda assim, muitas vezes, relutam em fazê-lo. Por isso, têm dificuldade em se adaptar às transformações que um filho pequeno exige, como permanecer em casa por vários meses, se desligar do trabalho e restringir as atividades sociais. "Se indagássemos mulheres há 20 ou 30 anos, elas teriam vergonha de assumir que o filho era, de alguma forma, motivo de insatisfação", diz Renay Bradley, diretora do Relationship Reasearch Institute, organização americana sem fins lucrativos que se dedica ao estudo do assunto. "Elas eram criadas para se sentir felizes com o nascimento de um herdeiro. Era proibido negar essa felicidade."
É fácil entender por que a equação do casamento é desbalanceada com a chegada de um filho. Basta considerar o valor de algumas variáveis. Segundo recente estudo do Relationship Research Institute, dois terços dos casais sentem que a qualidade de seus relacionamentos piora nos três anos que se seguem ao nascimento do bebê. Somem-se a isso dados de duas pesquisas também americanas. Segundo a Universidade do Estado de Ohio, após o nascimento, os pais passam a ter apenas um terço do tempo que costumavam dedicar à relação amorosa antes da gravidez e, de acordo com a Universidade de Maryland, as despesas com a crianças explodem o orçamento familiar: alta de 300%.
Médicos e hospitais se mostram cada vez mais atentos às crises conjugais detonadas pelo nascimento de um filho. O Hospital Infantil Sabará, em São Paulo, criou uma escola para pais, com ciclos de debate sobre temas relacionados à criação dos filhos. Entre os assuntos abordados, estão as alterações no relacionamento de marido e mulher. "A ideia é atrair o homem para essa conversa. Quando ele se envolve, passa a cobrar menos e a colaborar mais com a mulher. Tudo fica mais fácil", diz Germana Savoy, psicoterapeuta do hospital.
As inevitáveis transformações no corpo da mulher nesta fase também trazem insegurança e instabilidade ao casamento. É exatamento o que viveu a dona de casa Bianca Paiva, de 32 anos: "Vi meu corpo se transformar e não me sentia confortável com isso. Deixei, então, de ser mulher e passei a ser apenas mãe." A insatisfação se refletiu no casamento. A qualquer sinal de aproximação física por parte do marido, o empresário Filipe, de 33 anos, Bianca se esquivava. "Levou cerca de um ano para que voltássemos a nos relacionar como fazíamos antes da chegada de nossa primeira filha, Melissa", conta Bianca.
Passados sete anos do nascimento de Melissa e cinco da chegada da segunda filha, Manuela, Bianca e Filipe consideram que os obstáculos impostos pela maternidade (e também pela paternidade) foram superados. Para o casal, foi o diálogo que permitiu a estabilização do casamento. Especialistas podem ajudar nesse momento. Obstetras, por exemplo, acompanham a gestação de perto e ficam ao lado da mulher nas primeiras semanas após o parto. São capazes de identificar as queixas de ambas as partes – e orientar o casal a buscar ajuda especializada, como a do terapeuta.
Foi a essa ajuda que recorreu a administradora de empresas Joana, de 48 anos – que prefere não revelar seu verdadeiro nome. "Após o nascimento de meu filho, passei a dispor de poucas horas de lazer. Minhas responsabilidade como mãe impunham restrições a mim. Isso me frustrava", conta. A frustração era transferida para o companheiro. "Quando via que meu marido se divertia, saindo com amigos, por exemplo, me sentia ofendida. Como ele podia se divertir enquanto eu sofria em casa?" Finalmente, quando a ideia do divórcio cruzou a mente de Joana, ela decidiu buscar a terapia. "Aos poucos, fui buscando formas aliviar o stress e lidar com as mudanças dentro de casa." A solução encontrada pelo casal foi retomar as atividades a dois: jantares, cinema e muita, muita conversa.
"O nascimento de um filho suspende parte dos sistemas que sustentam um casamento. É preciso saber lidar com as mudanças, porque elas são temporárias", diz Marli Sattler, psicóloga e terapeuta de casal e família. É a receita para evitar que o bebê – aguardado com grande expectativa e fonte de alegria para toda a família – se transforme em uma bomba-relógio para o casal.
(Com reportagem de Natalia Cuminale)
Fonte:
Veja
Edição da semana (nº 2217 - 18 de maio de 2011)
Retalhos no Mundo:
Realmente a emancipação das mulheres, talvez tenha atrapalhado um pouco papel da mulher como mãe. Antigamente, elas se dedicavam integralmente ao lar, hoje temos carreira, ambições maiores, vida social as vezes muito ativas, além de optarmos ter filhos mais tarde, quando tudo já está esquematizado. E uma criança, não é uma boneca, que quando cansamos de brincar, colocamos de lado.
A maternidade tem, nos dias de hoje ser bem planejada, associar todas as mudanças que poderão ocorrer,
dedicação 24 horas, noites mal-dormidas, mudanças corporais. E talvez a colaboração do marido, apoiando, ajudando nas tarefas e dando atenção no nosso lado mulher, com paciência e bom humor.
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