"Eça Agora" é uma coleção que o Expresso vai oferecer. Além de "Os Maias" inclui a sua continuação e um livro de estudo
O Expresso começa a distribuir na próxima semana a coleção "Eça Agora". São sete volumes dedicados a celebrar a obra de Eça de Queirós - "Os Maias" foram publicados há precisamente 125 anos - bem como o 40º aniversário do Expresso.
José Eduardo Agualusa é um dos seis escritores escolhidos para continuar "Os Maias", num exercício literário em que cada um explora determinado período histórico, de forma a transportar a narrativa até aos dias da fundação do Expresso, em 1973. Estes novos capítulos compõem os três volumes de "Os Novos Maias".
Questionário queirosiano a José Eduardo Agualusa
Eça é muito reivindicado pela literatura brasileira, que quase fez dele um dos seus autores; existe também um Eça "africano", além da viagem ao Egito?
Eça sempre foi muito lido no Brasil, ainda em vida. Até hoje, persistem no Brasil diversas associações queirosianas. Há anos fui convidado para um jantar, no Recife, organizado por uma dessas associações. Todas as pessoas convidadas para o jantar haviam publicado livros sobre Eça e a sua obra. Eça nunca visitou o Brasil, mas teve uma ama pernambucana (de origem africana), Dona Ana Joaquina Leal de Barros, que muito o marcou. De resto, o pai de Eça nasceu no Rio de Janeiro, filho de portugueses. No regresso a Portugal, a família trouxe um casal de empregados afro-brasileiros, Rosa e Mateus, que ajudaram a criar o pequeno José Maria. Tirando a viagem ao Egito, não há na obra de Eça senão vagas referências a África. Também não me parece que tenha influenciado muitos escritores africanos.
A constante ironia de Eça é um dos seus grandes méritos ou uma das suas principais limitações, por comparação com o trágico e o patético de Camilo, por exemplo?
Limitação?! Seria como dizer que a principal limitação de uma chita é a sua velocidade. A ironia - e a autoironia - é o melhor do Eça. É esse riso que o salva de ser apenas português, como o Camilo, e faz dele um escritor sem fronteiras e de todos os tempos.
Existe um "segredo" em "Os Maias": é um estratagema de época, que envelheceu mal, ou continua um recurso atual?
Não compreendo se é o segredo que envelheceu... Porque o estratagema obviamente que não. O segredo, em concreto, também ainda funciona - muitos comportamentos sociais mudaram entretanto, mas não tanto. A verdade é que seria possível criar um romance passado nos dias de hoje exatamente com o mesmo enredo.
"Ainda o apanhamos", dizem os dois amigos na última página do romance; é essa esperança desesperançada que torna "Os Maias" tão português?
Mais do que um romance português, é um romance lisboeta, de uma Lisboa cosmopolita e universal. É impressionante, aliás, o número de personagens estrangeiros - ingleses, brasileiros, escandinavos, etc. Na verdade, é uma Lisboa à imagem e semelhança do seu autor.
Poucos romances portugueses são tão "cinematográficos" e tão dependentes, nomeadamente, do advérbio de modo; a escrita de "Os Maias" é "visual" ou "estilística"?
Ambas, claro - sendo que uma é parte da outra. A riqueza de detalhes é algo que continua a assombrar-me de cada vez que releio "Os Maias". Hoje, já ninguém escreve assim.
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