19 julho 2013

Outras Estantes: Questionário queirosiano a José Rentes de Carvalho

"Eça Agora" é uma coleção que além de "Os Maias" inclui a sua continuação e um livro de estudo.




O Expresso distribui este sábado o segundo livro da coleção "Eça Agora". São sete volumes dedicados a celebrar a obra de Eça de Queirós - "Os Maias" foram publicados há precisamente 125 anos - bem como o 40º aniversário do Expresso. 

José Rentes de Carvalho é um dos seis escritores escolhidos para continuar "Os Maias", num exercício literário em que cada um explora determinado período histórico, de forma a transportar a narrativa até aos dias da fundação do Expresso, em 1973. Estes novos capítulos compõem os três volumes de "Os Novos Maias".

Questionário queirosiano a José Rentes de Carvalho


"Os Maias" é a história de uma família e a história de uma cidade, no caso Lisboa; mas quase toda a grande ficção portuguesa decorre fora de Lisboa. Porque será? 

Talvez porque, malgrado o seu tamanho em relação ao país e a hidrocefalia das instituições que alberga, Lisboa não tem drama. Nunca teve. É faceirinha, bonitinha, mesureira, sorri, pede desculpa, canta o fado, vai à praia... Revolta-se de vez em quando, mas nela as revoluções infalivelmente ganham um lado pícaro, canhestro e, sobretudo, compincha. O mesmo que mostra nas trafulhices da banca e nos corredores do poder. Os seus dramas são de café ou de tasca, apertos do fim do mês, ânsia de parecer, fracos ingredientes para a grande ficção.

A constante ironia de Eça é um dos seus grandes méritos ou uma das suas principais limitações, por comparação com o trágico e o patético de Camilo, por exemplo? 

Fora de dúvida, um dos seus grandes méritos, de par com o uso da linguagem e a qualidade do diálogo. Mas a ironia em Eça é também "maldade" e uma ratoeira: faz rir, logo depois leva-nos a pensar e, por vezes, a concluir que o riso era descabido.

Existe um "segredo" em "Os Maias": é um estratagema de época, que envelheceu mal, ou continua um recurso atual? 

Tecnicamente, o "segredo" continua um bom recurso para prender a atenção do leitor. O problema reside no desenvolvimento do enredo. Há quem estabeleça gráficos, planos, diagramas, e quem acredite na inspiração, mas nada resulta sem tarimba e métier. Eça de Queirós, que tinha ambos, pôde-se permitir o que a raros é dado: desvendar o segredo e manter o suspense no leitor.

"Ainda o apanhamos", dizem os dois amigos na última página do romance; é essa esperança desesperançada que torna "Os Maias" tão português? 

Sempre me confundiu o simbolismo atribuído à frase. Eça tem em mãos dois personagens atrasados para o jantar, e estes, vendo o "americano", simplesmente desatam a correr. Creio que não é questão de uma hipotética esperança, nem que Eça estivesse a pensar num país que era preciso "apanhar". Anotou apenas a pachorra nacional. Carlos da Maia acabara de dizer: "Com efeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ânsia para coisa alguma..." Essa frase parece contradizer a intenção de atribuir à correria um qualquer simbolismo.

Poucos romances portugueses são tão "cinematográficos" e tão dependentes, nomeadamente, do advérbio de modo; a escrita de "Os Maias" é "visual" ou "estilística"? 

Comecei a ler Eça por volta dos 14 anos, e havia uns cinco que todos os fins de semana ia ao cinema. Quatro filmes era a dose. A grande surpresa que me causaram os romances queirosianos foi, precisamente, descobrir o que neles continuo a admirar: a "qualidade cinematográfica", a mestria "visual" da narrativa, a utilização fílmica do diálogo.





Fonte: Jornal Expresso

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