Versão revista e atualizada dos textos publicados na Revista do Expresso, em 2001, num número intitulado "Eça Agora". Figuras reais fazem lembrar célebres personagens do romance "Os Maias". O Expresso começa a publicar no próximo sábado, grátis, a coleção Eça Agora.
Na sua correspondência, Fradique Mendes descreve desta forma José Joaquim Alves Pacheco: "Sem Portugal - Pacheco não teria sido o que foi entre os homens; mas sem Pacheco - Portugal não seria o que é entre as nações." Ora esta inventada fusão entre o país e um político, um político que "foi tudo", como nos diz Eça, só pode ter paralelo com o único tudo que diz nunca ter sido político: Cavaco Silva.
É certo que Pacheco foi uma desilusão, ao contrário do Presidente e ex-primeiro-ministro, ex-ministro e ex-líder do PSD, uma vez que não tendo ainda acabado a história (mesmo no sentido hegeliano) podemos continuar a ter ilusões sobre quem preside ao retângulo. Mas sabendo que Pacheco espetava o dedo em riste a falar de autoridade; constatando que Pacheco tinha fama de ter um "imenso talento", sobretudo pelos silêncios a que se impunha; verificando que Pacheco era de uma imodéstia total, respondendo uma vez a um deputado que o questionava sobre educação com a seguinte frase: "Sua Excelência aí nessa bancada faz berreiro, eu aqui nesta cadeira faço luz" - podemos ser levados a ter circunvoluções cerebrais que nos façam confundir ficção e realidade. Sendo que Pacheco é o político completo, a soma de todos os defeitos de todos os políticos, pincelada com a mestria de Eça, não podemos encontrar par... mas não será por essa constatação que devemos desistir de arranjar dois para um tango.
Porquê então este paralelismo entre Pacheco e Cavaco? Apenas porque aquele foi tudo, fundiu-se com Portugal a ponto de um moldar o outro, e amava a autoridade. De resto, nada mais diferente, porque, como escreve o seu biógrafo, "Pacheco não deu ao seu país nem uma obra, nem uma fundação, nem um livro, nem uma ideia" - algo que nunca poderíamos dizer de Sua Excelência o Presidente da República, ainda que fôssemos populares como escritores.
Fonte: Jornal Expresso
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