07 setembro 2013

Outras Estantes:Os Maias Revisitados- Parte 5

Se assinalam os 125 anos da sua edição(Os Maias) e uma iniciativa Expresso (Eça Agora) veio chamar a atenção para a obra e a efeméride. De facto, o conhecido semanário oferece o romance, em très edições consecutivas, a que se seguirão, em outras três edições, textos de seis escritores atuais que "trazem" Os Maias até 1973- e um sétimo e último volume sairá um estudo, sobre o romance, do reputado especialista queirosiano Carlos Reis. Maria do Rosário Cunha, falará sobre a futura edição crítica de Os Maias. Kyldes Batista Vicente, sobre a minissérie da TV Globo que os teve por base- enquanto se lembram também suas adaptações ao teatro (bem como a falhada tentativa do próprio Eça), com o testemunho da encenadora Filomena Oliveira.  E ainda o que pretende ser uma sua próxima adaptação ao cinema, em entrevista com o realizador João Botelho.

A minissérie da televisão brasileira
Kyldes Batista Vicente *

As minisséries e as telenovelas brasileiras buscaram seus temas na literatura, desde o início de sua produção. Ao analisarmos as minisséries exibidas pela Rede Globo de Televisão até hoje, notamos que metade delas teve inspiração nos textos literários: entre os brasileiros, Jorge Amado, Nelson Rodrigues e Érico Veríssimo foram os mais visitados. A procura por autores estrangeiros é menor; no entanto, Eça de Queirós constitui o destaque, duas vezes revisitado, com O Primo Basílio (1988) e Os Maias (2001). Esta última minissérie foi uma coprodução entre a Rede Globo (Brasil) e a SIC (Portugal), que teve o custo, à época, segundo a emissora, de XX milhões de reais.
O projeto da minissérie Os Maias teve início em 1997, quando a Rede Globo convidou a novelista Glória Perez para assinar o roteiro, e Wolf Maya, a direção. A minissérie teria 16 capítulos, seria toda gravada em Portugal, teria Paulo Autran como Afonso da Maia e estava prevista para ser exibida a partir de janeiro de 2000. No entanto, em março de 1999, depois de trabalhar no remake da novela Pecado Capital, Glória Perez não pôde participar do projeto Os Maias.
Então, em 2000, após o sucesso de A Muralha, a emissora escolhe Maria Adelaide Amaral para elaborar o roteiro e Daniel Filho para a direção. que posteriormente foi substituído por Luiz Fernado Carvalho. E, para colaborar com Maria Adelaide Amaral nesta elaboração do roteiro, foram convidados Vincent Villari e João Emanuel Carneiro, a mesma equipe do sucesso A Muralha. Após análise do romance, a equipe decidiu construir a minissérie a partir de três romances de Eça de Queirós: Os Maias, A Relíquia e A Capital,  já que a minissérie deveria ter 44 capítulos. Nesse caso, a equipe buscou na obra de Eça de Queirós subsídios para ampliação dos capítulos.
A pesquisa para a elaboração do roteiro contou com o exame e a consulta da obra ficcional do autor de Os Maias, as correspondências, ensaios, artigos publicados em jornais, projetos de textos inéditos fornecidos pelo prof. Carlos Reis  e também fotografias do escritor, Dessa forma é que os roteiristas chegaram à construção de cenas e diálogos que apresentassem o mesmo tom da literatura de Eça de Queirós. As escolhas dos romances do escritor português, as inserções de textos não narrativos e não verbais, bem como de outras fontes, para que a minissérie fosse elaborada, culminaram em um complexo processo de construção do roteiro da minissérie.
No trabalho de composição, os roteiristas sentiram a necessidade de aproximar o texto queirosiano ao espectador brasileiro.Com isso, as adaptações foram conduzidas para que houvesse a compreensão da narrativa e que pudessem ser atendidos os influxos da mídia televisiva.
A roteirista-autora esteve atenta aos cuidados com a realização deste trabalho, conduzindo-se de forma respeitosa com o texto do escritor português e as estratégias utilizadas para atender aos anseios da teledramaturgia. O embate entre o "fazer dramaturgia" e a preocupação com a aproximação ao texto literário, além da preocupação em imprimir suas marcas no texto, causaram reação de queirosianos acerca da inserção de outros textos do autor e dos recursos melodramáticos utilizados na versão para a TV.
Durante as gravações da minissérie, a equipe passou cerca de seis semanas em Portugal e foi a primeira equipe de produção a ficar tanto tempo fora do país. Além disso,  mais de 70 pessoas compuseram a equipe técnica, composta por 26 atores. O diretor Luiz Fernando Carvalho enfatizou que as cenas em Lisboa e arredores eram para encontrar e reproduzir bem a obra de Eça de Queirós. O ator Osmar Prado, que interpretou o poeta Alencar, em depoimento no DVD, demonstra a mesma opinião, afirmando que a minissérie cumpria uma função social, a de despertar o interesse das pessoas pela literatura.
A minissérie obteve uma audiência média de 16,3 pontos percentuais em São Paulo e 17,7 no Rio de Janeiro, diante de uma expectativa de, pelo menos, 30 pontos de audiência (índice médio do horário), naquela época. Todavia, apesar desses índices de audiência da minissérie, o livro Os Maias, no mesmo período, tornou-se um best-seller nas livrarias (um aumento de 80% nas vendas).
Durante o ano de 2001, a minissérie recebeu os prémios de melhor cenografia, fotografia e direção de arte do II Festival Latino-Americano de Cine Vídeo de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, e marcou o retorno de Luiz Fernando Carvalho à equipe de diretores da Rede Globo, da qual estivera afastado por três anos, para as gravações do filme Lavoura Arcaica (2001).
Em 2004, o DVD Os Maias (versão do diretor) foi lançado pela Globo Vídeo, com a edição de Luiz Fernando Carvalho, que suprimiu os trechos da narrativa audiovisual que fazem referência aos romances A Relíquia e A Capital. O lançamento do DVD também possibilitou a abertura de espaços para a discussão de outras obras dos realizadores e comparações entre os seus trabalhos, além da discussão acerca da obra de Eça de Queirós.
Nas redes sociais e blogues, a discussão acerca da afinidade entre o texto literário e o texto televisivo continua ocorrendo, especialmente no que diz respeito ao material do DVD. De março a maio de 2012, o Canal Viva (da Rede Globo) reapresentou a minissérie, o que trouxe à agenda brasileira de fãs, o retorno das participações nos grupos de discussão.
A análise da minissérie Os Maias nos faz crer que essa produção constitui-se em um cuidadoso trabalho de adaptação. O atendimento aos "influxos televisivos" de que fala Maria Adelaide Amaral não impede que a minissérie seja um dos melhores produtos da televisão brasileira.

* A autora é doutorada em Comunicação e Cultura Contemporâneas e profª da Universidade do Tocantis 
Fonte: JL



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