CINEMA
por EURICO DE BARROS23 Abril 2011
Seria preciso um suplemento inteiro para podermos enumerar todos os filmes (sem esquecer as séries de televisão e os telefilmes) já feitos sobre a monarquia britânica, desde as biografias mais convencionais de reis e rainhas até às abordagens de episódios, personagens e factos com ela relacionados, uns mais conhecidos que outros (a "gaguez real" de Jorge VI, por exemplo, retratada em 'Discurso do Rei', nunca tinha sido puxada para tema de um filme). Embora os sentimentos republicanos estejam a ganhar terreno no Reino Unido, a monarquia e os reis britânicos continuam a ser muito populares no cinema, nomeadamente nos republicaníssimos EUA. Eis 12 filmes sobre vários monarcas, épocas, acontecimentos e personagens da sua história, incluindo uma ficção brincalhona.
1933
Henrique VIII é o monarca inglês a quem o cinema e a televisão têm dedicado mais filmes e séries. Esta realização de Alexander Korda, datada de 1933, é uma das mais conhecidas e populares, apesar de um certo tom cómico que hoje soa muito deslocado, e de os historiadores lhe apontarem inúmeras e descaradas incorrecções históricas e toda uma série de liberdades factuais. Nomeadamente no que diz respeito às relações do monarca com as suas seis mulheres, e ao retrato de várias delas, bem como na própria representação da personalidade de Henrique VIII, interpretado por Charles Laughton, que recebeu o Óscar de Melhor Actor e que "carrega" o filme às costas. Entre outros, A Vida Privada de Henrique VIII conta ainda com as interpretações de Robert Donat, Merle Oberon (como Ana Bolena) e Elsa Lanchester, e foi um enorme sucesso na altura.
1939
A exemplo de seu pai, Henrique VIII, a rainha Isabel I é outra das figuras reais favoritas do cinema e da televisão, e é interpretada neste filme de Michael Curtiz por Bette Davis. Este drama romântico histórico está mais interessado em retratar a relação amorosa entre a rainha e o seu favorito, Robert Devereux, duque de Essex (Errol Flynn), que Isabel I acabaria por mandar decapitar. Anos mais tarde, em 1955, Bette Davis voltaria a personificar a "good queen Bess", agora já avançada nos anos, em A Rainha Virgem, de Henry Koster. Este é outro daqueles filmes em que as necessidades da intriga romântica levam a que a verdade histórica seja contornada ou mesmo alterada. Bette Davis queria que fosse Laurence Olivier a interpretar o duque de Essex, mas os produtores não quiseram arriscar num actor que era ainda pouco conhecido nos EUA, e preferiram Errol Flynn, então no auge da fama.
1968
Peter O'Toole, Katharine Hepburn, Anthony Hopkins, Timothy Dalton e Nigel Terry são os principais intérpretes desta adaptação ao cinema da peça de James Goldman, realizada por Anthony Harvey. Passado no século XII, O Leão no Inverno é uma especulação dramática sobre o confronto entre o rei Henrique II, primeiro monarca da dinastia Plantageneta, e a mulher, Leonor de Aquitânia, sobre quem sucederá àquele no trono de Inglaterra. O rei quer que seja o príncipe João (futuro João Sem-Terra), enquanto a rainha prefere o príncipe Ricardo, Coração de Leão (que sucederia ao pai como Ricardo I de Inglaterra). Um grande filme de actores e de argumento, O Leão no Inverno deu Óscares a Katharine Hepburn (Melhor Actriz, ex aequo com Barbra Streisand), John Barry (Banda Sonora) e James Goldman (Argumento).
1969
Geneviève Bujold é Ana Bolena, a segunda mulher de Henrique VIII, personificado por Richard Burton em Rainha por mil Dias, de Charles Jarrott, e cujo casamento com este está na origem da violenta ruptura do monarca, e da Igreja de Inglaterra, com Roma. O filme abre com o rei a ponderar sobre se deverá ou não mandar executar Ana Bolena, e depois conta, em flashback, toda a história da relação entre Henrique VIII e a irmã de Maria Bolena, com quem este estava amorosamente envolvido antes de se deixar atrair pela adolescente Ana, mãe da futura rainha Isabel I. Rainha por mil Dias termina com a execução da rainha e Henrique já a pensar no seu terceiro casamento, com Jane Seymour. Ana Bolena sai muito favoravelmente retratada do filme, que a apresenta como inocente das acusações de adultério, incesto e feitiçaria, que levariam à sua decapitação.
1970
Entre 1653 e 1658, após a derrota das forças realistas na guerra civil e a execução do rei Carlos I, a Inglaterra foi uma República e o terratenente, parlamentar e comandante militar puritano Oliver Cromwell governou como Lorde Protector de Inglaterra, Escócia e Irlanda. No filme de Ken Hughes, Cromwell é personificado por Richard Harris e Sir Alec Guinness interpreta o rei Jaime I. Esta grande produção histórica foi abundantemente criticada, não só por conter muitas incorrecções, simplificações e omissões (caso das brutalidades várias e dos massacres cometidos durante a invasão da Irlanda pelas tropas puritanas), como também por dar um retrato alegadamente nobre e heróico demais de Richard Cromwell, que muitos historiadores britânicos consideram ter não ter sido mais do um fanático religioso e um tirano regicida.
1971
Na sequência do sucesso comercial de Rainha por mil Dias, o realizador britânico Charles Jarrott regressou à história de Inglaterra com este filme sobre o confronto entre Maria Stuart, rainha da Escócia e católica, e Isabel I, rainha de Inglaterra e protestante, que acabaria com a execução da monarca escocesa em 1587, acusada de conspiração e de traição, 19 anos depois de ter sido encarcerada a mando da primeira. Vanessa Redgrave interpreta Maria Stuart e Glenda Jackson dá corpo a Isabel I. No mesmo ano, Jackson voltaria a personificar a filha de Henrique VIII na aclamada série de televisão Isabel I, que a RTP exibiu em Portugal. O filme não foi muito bem recebido, quer pelos críticos quer pelos historiadores, tendo sido acusado de inventar factos e de ter contemplado uma abordagem demasiadamente telenovelesca aos acontecimentos e às figuras das duas rainhas.
1991
David S. Ward realizou esta rara comédia sobre a monarquia britânica, em que a casa de Windsor surge com o nome de casa de Wyndham. Depois de a família real em peso ter morrido electrocutada quando tirava uma fotografia de conjunto durante uma trovoada, o Governo britânico começa a busca por um descendente vivo, mesmo que remoto, que possa ascender ao trono e dar continuidade à monarquia. E vão encontrá-lo em Las Vegas, na pessoa de Ralph Jones (John Goodman), um bonacheirão e boçal pianista e cantor de bares de casinos, que é trazido para Inglaterra para ser devidamente treinado e "polido", antes de ascender ao trono. Aparentemente uma sátira à monarquia, King Ralph - O Primeiro Rei Americano acaba por ser um filme bastante simpático para com este regime.
1994
Alan Bennett escreveu a peça The Madness of George III, que teve um estrondoso sucesso nos palcos londrinos, e Nicholas Hytner transportou-a ao cinema com o título A Loucura do Rei George. É a história verídica da deterioração mental do rei George III de Inglaterra (interpretado por Nigel Hawthorne, conhecido em Portugal pelas séries Sim, Senhor Ministro, e Sim, Senhor Primeiro-Ministro), que reinou entre 1738 e 1820, e dos problemas políticos e familiares a que deu origem, caso da Crise da Regência, entre 1788 e 1789, que quase levou ao trono o príncipe de Gales, por incapacidade do pai (que entretanto se recuperaria e reinaria até 1810). O filme faz ainda um retrato arrepiante do estado da medicina nos finais do século XVIII, sobretudo no que tinha que ver com o tratamento das perturbações mentais. Helen Mirren recebeu o Óscar de Melhor Actriz Secundária pelo seu papel da rainha Charlotte.
1997
Este filme de John Madden conta a história da relação de amizade que, durante longos anos, uniu a rainha Vitória e John Brown, um criado escocês da sua propriedade de Balmoral, após a morte do príncipe Alberto, em 1861. Brown tinha sido um devotado servidor do falecido príncipe consorte e vários dos membros da corte acharam que ele poderia ser a pessoa ideal para atenuar a profunda dor da monarca, conseguir que ela voltasse a aparecer em público e retomasse a sua vida normal. John Brown não só conseguiu tudo isso como também se tornou numa das pessoas mais próximas da rainha, ganhando uma enorme influência junto dela. À época, chegou a suspeitar-se de que ela e Brown teriam tido uma relação íntima, e mesmo casado em segredo. Judi Dench interpreta rainha Vitória e Billy Connoly é o lealíssimo John Brown.
2006
Stephen Frears realizou e Peter Morgan escreveu aquele que é um dos melhores filmes já feitos sobre a monarquia britânica, uma ficção baseada em muitos elementos reais, sobre a forma como a Rainha Isabel II (Helen Mirren) reagiu à morte da princesa Diana, em 31 de Agosto de 1997. Em paralelo, Frears recria a reacção do Governo de Tony Blair à tragédia, contrastando o desejo da família real de tratar a morte de Diana e suas exéquias de forma recatada e privada, com as opiniões do recém- -nomeado primeiro-ministro e do príncipe Carlos, que acham necessária uma manifestação de dor mais pública, em sintonia com os desejos do povo e de acordo com a imensa popularidade de que Diana gozava. A Rainha teve o Prémio do Melhor Argumento no Festival de Veneza, e Helen Mirren ganhou numerosos prémios de Melhor Actriz, entre eles o Óscar, o Globo de Ouro e a Taça Volpi em Veneza.
2009
Realizado por um canadiano, Jean-Marc Valée, e escrito por Julian Fellowes (Gosford Park), e contando com Martin Scorsese entre os seus produtores, A Jovem Vitória procura reconstituir a ascensão ao trono da rainha Vitória, os seus primeiros anos de reinado e o casamento com o príncipe Alberto de Saxe-Coburgo-Gota, retratando os problemas familiares e políticos que teve de enfrentar, antes e depois de ser coroada, e a maneira como procurou impor a sua vontade e personalidade na corte e na vida política da Grã-Bretanha. Esta imponente produção, que tem Emily Blunt no papel da rainha Vitória e Rupert Friend na figura do príncipe Alberto, não consegue fugir a uma ligeireza cor-de-rosa de minissérie televisiva "de prestígio", em que a riqueza e o luxo da produção se sobrepõem a uma abordagem íntima, histórica e política mais detalhada e complexa.
2010
Ou como o duque de Iorque se viu inesperadamente no trono como Jorge VI em 1936, mesmo à beira da II Guerra Mundial, após a súbita e escandalosa abdicação do irmão, Eduardo VIII, por amor à sua amante americana, Wallis Simpson, e conseguiu controlar e atenuar a sua terrível gaguez graças aos métodos heterodoxos de um obscuro, desembaraçado e persistente terapeuta da fala australiano chamado Lionel Logue. Realizado por Tom Hooper e interpretado por Colin Firth (Jorge VI) e Geoffrey Rush (Logue), O Discurso do Rei foi escrito por David Seidler, que teve acesso aos arquivos e aos cadernos de apontamentos de Lionel Logue, e é também um filme sobre as diferenças de classe na Inglaterra dos anos 30, e sobre uma amizade improvável entre um monarca e um plebeu das "colónias". Ganhou os Óscares de Melhor Realizador, Filme, Actor e Argumento Original.
DN Gente- Portugal
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