04 junho 2011

1882: Nasce o comediante bávaro Karl Valentin

CALENDÁRIO HISTÓRICO

 

Em 4 de junho de 1882 nascia o comediante bávaro Karl Valentin. Seu humor é uma espécie de antídoto contra a vida acidentada que teve durante duas guerras.

 
Não há tarefa mais árdua para um artista do que arrancar gargalhadas de um país que esteve seriamente envolvido nas duas grandes guerras mundiais do último século. Principalmente quando se trata de um humor que nada tem de escapista, nem tampouco apela para a típica perpetuação dos preconceitos de toda espécie.
 
Pois foi com um dom fora do comum e uma sensibilidade artística a toda prova que, em 4 de junho de 1882, nascia em Munique Valentin Ludwig Fey. Um homem que esteve muito à frente de seu tempo e que pagou caro – muito caro – por ter nascido numa época em que a brutalidade e o desespero davam o tom.
    
Determinação de pioneiro
 
Karl Valentin costuma ser comparado a Charlie Chaplin. A comparação é oportuna, mas requer aprofundamento. Chaplin foi muito mais bem-sucedido que o cabaretista e artesão multimídia alemão, conseguindo a proeza de conquistar corações e mentes nos quatro cantos do mundo com toda sua genialidade e humor tragicômico, mas Valentin foi o primeiro a realizar os seus próprios filmes mudos em 1912, dois anos antes do cativante vagabundo inglês.
 
Enquanto o autor de Luzes da Cidade (1931) atuava dentro da indústria cinematográfica mais poderosa do mundo – a norte-americana –, Karl Valentin teve que lutar muito para se impor dentro de seu próprio país, que estava mergulhado em uma profunda crise de identidade. 
 
Estátua de Karl Valentin, em um chafariz no centro de MuniqueEstátua de Karl Valentin, em um chafariz no centro de Munique
"Aqui em Munique ainda não foi encontrado nenhum ser humano que, na minha cidade natal, queira fazer filmes sonoros comigo", protestava Valentin, que iria amargar outras ingratidões de seus concidadãos bávaros.
 
A relação de Karl Valentin com a indústria de filmes sempre foi complicada. Ele não se conformava em ter que acatar as imposições do meio. O artista alemão chegaria a recusar vários convites de trabalho nos Estados Unidos por não querer se distanciar de Munique e por ter pânico de viagens longas. 
 
Em 1928, quando foi se apresentar no Kabarett der Komiker, em Berlim, com a peça Ensaio de Orquestra, o humorista chegou ao ponto de mandar imprimir nos cartazes da turnê: "Maior comediante trágico da Alemanha, Karl Valentin deixa Munique".
 
O teatro como ponto de partida
 
Karl Valentin escapou por pouco da morte por difteria, que levou dois irmãos dele ainda crianças. Aos 15 anos, foi aprender seu primeiro ofício, a marcenaria, que lhe seria útil posteriormente para a construção de cenários e adereços de suas peças teatrais.
 
Depois de aprender a tocar cítara, o rapaz de longas pernas e curiosa silhueta iria encarar as primeiras apresentações como comediante ao completar 17 anos. Mas o sucesso só chegaria em 1908, ao atuar no prestigiado palco do Frankfurter Hof, em Munique. Três anos depois, Valentin conheceria aquela que seria sua companheira de palco por 26 anos a fio, a atriz Elisabeth Wellano, mais conhecida como Liesl Karlstadt.
 
Em 1912, depois de montar um estúdio de pequenas proporções, o humorista rodaria seu primeiro filme mudo, O Casamento de Karl Valentin, que seria sucedido dois anos mais tarde por A Nova Escrivaninha.
 
Encarado como dadaísta ou como irreverente seguidor do surrealismo, Karl Valentin seguiu em rota de expansão, cunhando frases impagáveis que entrariam para a história: "tudo já foi dito, mas não por todos"; "antes, até o futuro era melhor"; "o ser humano é bom, as pessoas é que são ruins", ou ainda "toda coisa tem três lados – um positivo, um negativo e um estranho".
 
As guerras
 
Karl Valentin, antes de 1945 Karl Valentin, antes de 1945
A eclosão da Primeira Guerra Mundial não impediu que Karl Valentin fizesse sucesso nos palcos. O comediante escapou de prestar serviço militar por causa das fortes crises de asma que sofria e, de 1915 a 1921, foi a grande sensação dos cabarés de Munique. 
 
Com a chegada dos nazistas ao poder em 1933, o filme A Herança seria proibido, por questionar a propagada superioridade da raça ariana. Mas ele e sua companheira Liesl Karlstadt seguiram em frente, resolvendo abrir o Panoptikum, um espaço artístico no porão de um hotel da cidade. O projeto fracassou e levou os dois artistas à ruína financeira, provocando um colapso nervoso em Karlstadt, que chegou a tentar o suicídio. 
 
Ao terminar a Guerra, Karl Valentin não estava melhor que o país em que nasceu. Os discos gravados pelo humorista não eram mais tocados publicamente, e a série radiofônica que produzia para a emissora Bayerischer Rundfunk – sua única fonte de renda – foi retirada do ar por não agradar aos ouvintes, que discordavam da visão pessimista de seus textos.
 
Em 1948, aos 66 anos, Karl Valentin morreu em decorrência de uma pneumonia. Dois dias antes, ele havia passado a noite num camarim de uma casa noturna em Munique desprovida de calefação, em pleno inverno alemão.

 
Filipe Tadeu

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