24 junho 2011

Ele disse que ia me matar bem devagar', diz agricultora jurada de morte na Amazônia

Atualizado em  22 de junho, 2011 - 07:07 (Brasília) 10:07 GMT
Na Amazônia e em outros locais da região norte, 21 agricultores foram mortos em 2010
"Ele disse que ia me matar bem devagar." Essa foi a mensagem que um pistoleiro fez chegar a Nilcilene Miguel de Lima, 45 anos, através de sua cunhada em maio.
A produtora rural assentada pelo Incra há sete anos em Lábrea, cidade no Amazonas próxima à fronteira com o Acre e Rondônia, fugiu da própria casa e hoje está escondida sob a proteção da Pastoral da Terra por conta de ameaças de morte na região.

"Meu sonho era ter uma terra minha e eu consegui isso. Mas já me espancaram, queimaram minha casa, minhas plantações. Tudo isso que sofri e até hoje nada foi feito", disse Nilcilene em entrevista à BBC Brasil.Desde maio, cinco produtores rurais foram assassinados na região Norte do país, e Nilcilene não quer ser a próxima vítima.
"Eu quero voltar, reconstruir tudo, mas não vou mais aguentar, porque sei que vou morrer. Não sei se um dia vou ter uma vida tranquila lá e de pensar nisso estou ficando doente."
Ela e o marido, Raimundo de Oliveira, constam de uma lista de agricultores jurados de morte na região. Os nomes foram repassados pela Comissão Pastoral da Terra ao governo, que criou um gabinete de crise para lidar com o problema.
Enquanto Nilcilene está escondida, Raimundo continua em Lábrea. "Ele está correndo um risco muito grande, mas diz que só sai de lá enrolado em uma lona."
'Morte lenta'
A agricultora conta que a tensão vem lhe causando diversos problemas de saúde, como pressão alta e necessidade de tomar remédio para dormir. "É tanta dor de cabeça, tanto nervoso, sinto dor em tudo. Parece que minha carne está caindo dos ossos."
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Eu quero voltar, reconstruir tudo, mas não vou mais aguentar, porque sei que vou morrer. Não sei se um dia vou ter uma vida tranquila lá e de pensar nisso estou ficando doente."
Nilcilene Miguel de Lima, produtora rural
Presidente da associação de agricultores familiares de Lábrea, Nilcilene conta que sua situação se agravou em maio, quando o Ibama fez apreensões na região e madeireiros acreditaram que ela havia feito a denúncia ao órgão.
A mando de um madeireiro da região, conta, um pistoleiro permaneceu três dias de tocaia nas proximidades de sua casa. Como Nilcilene não aparecia, resolveu abordar uma cunhada que sempre a acompanhava.
"Ele disse que minha cunhada estava atrapalhando e que se não saísse de perto de mim, ia morrer também. E disse que ia me matar bem devagar", diz Nilcilene.
A agricultora diz ainda que tentou, em vão, recorrer à polícia e às autoridades locais contra as ameaças.
Entretanto, a delegacia de uma cidade vizinha não permitiu que ela fizesse o boletim de ocorrência. O mesmo ocorreu em Extrema, já em Rondônia, onde inicialmente alegaram que ela deveria fazer o registro no Estado do Amazonas.
Após insistir, Nilcilene conseguiu fazer o BO, mas não houve menção ao conflito nem às agressões por parte do madeireiro.
O caso está sendo analisado pela Secretaria de Direitos Humanos e o suposto mandante da tentativa de assassinato contra ela está sendo investigado pela polícia local.
Entretanto, a agricultora lamenta a impunidade que deixa à solta os mandantes de crimes contra pequenos produtores rurais.
"Quem manda lá (na Amazônia) são os madeireiros. Não tem Estado, não tem Justiça, não tem (Ministério do) Meio Ambiente, não tem autoridade nenhuma."
Violência
As ameaças contra Nilcilene já vinham ocorrendo desde o ano passado e entram nas estatísticas da Pastoral, que registram um recrudescimento da violência agrária em 2010.
De acordo com o levantamento, 34 agricultores ou ambientalistas foram assassinados no ano passado, um número 30% maior que em 2009, quando foram registradas 26 mortes no campo. Em 2008 foram 28 assassinatos.
"
Não podemos ter policiais lá eternamente. É preciso criar alternativas para que essas pessoas continuem em suas terras com segurança, com medidas como aceleração da reforma agrária feita de maneira sustentável."
Regina Miki, secretária nacional de Segurança Pública
A região Norte é a mais violenta nesses casos, já que em 2010 concentrou 21 desses crimes. Apenas no Pará houve 18 mortes, número 100% maior que as nove de um ano antes.
Em segundo lugar está a região Nordeste, onde 12 pessoas foram mortas no campo no ano passado.
Além das mortes, foram registradas no ano passado em todo o Brasil 55 tentativas de assassinato, 4 pessoas torturadas, 88 presas e 90 agredidas. Outros 125 agricultores e ativistas ambientais foram ameaçados de morte.
Depois da recente onda de assassinatos no Norte, a presidente Dilma Rousseff anunciou a criação de um grupo interministerial para discutir os problemas de violência no campo.
O grupo é integrado pela Secretaria de Direitos Humanos e a Secretaria Geral da Presidência, além dos ministérios da Justiça, Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário e do Gabinete de Segurança Institucional.
Entre as medidas anunciadas estão a liberação de R$ 500 mil para serem direcionados ao Incra no Pará e no Amazonas e a intensificação do combate ao desmatamento na região amazônica.
Denúncia
Para a porta-voz da comissão interministerial, a secretária Nacional de Segurança Pública, Regina Miki, é vital que pessoas ameaçadas, como Nilcilene, entrem em contato com o serviço de disque denúncia, ligado à Secretaria dos Direitos Humanos.
Questionada sobre o fato de a agricultora ter enfrentado dificuldades em registrar o caso com as autoridades locais, a secretária ressaltou que os policiais não poderiam ter se recusado a lavrar um boletim de ocorrência. Regina Miki admite que pode ter havido interferência de policiais corruptos da região.
Miki, que integra a área de contenção de crise no grupo, afirma que a opção da secretaria foi a de proteção coletiva dos ameaçados. "Fazemos a segurança pessoal quando a ameaça é mais iminente", disse a secretária à BBC Brasil.
Segundo ela, para proteger todas as pessoas ameaçadas seria necessária a utilização de quase todo o efetivo da Polícia Federal.
A Pastoral da Terra, no entanto, acredita que não é a segurança pessoal dos ameaçados que resolverá o problema, e sim a investigação dos crimes e o fim da impunidade.
A secretária explica que atualmente a comissão está fazendo uma checagem in loco da situação de todas as pessoas listadas pela organização. Enquanto o braço civil da secretaria ajuda no auxílio às investigações dos assassinatos, o militar faz o monitoramento das regiões mais críticas.
Miki afirma que os próximos passos incluem políticas de longo prazo desenvolvidas pelo Ministério da Desenvolvimento Agrário e do Meio Ambiente.
"Não podemos ter policiais lá eternamente. É preciso criar alternativas para que essas pessoas continuem em suas terras com segurança, com medidas como aceleração da reforma agrária feita de maneira sustentável."

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