08 março 2011

(A falta de) Ziriguidum no Oriente Médio

Na seção Mulheres pelo Mundo, a jornalista Daniela Kresch fala do carnaval (ou algo parecido) em Israel.

 
Todo ano é assim: chega o Carnaval no Brasil e a imprensa israelense se assanha toda. É certo como dois e dois são quatro que os jornais dos próximos dias exibirão fotos de mulatas com pouca roupa em pleno rebolado. As TVs vão fazer a festa. Este ano, começou cedo. Há três dias, uma mulata de biquini prateado apareceu nas páginas do maior jornal de Israel, o Yedioth Aharonoth. A notícia que justificava a foto não tinha nada a ver com a imagem: 17 pessoas tinham morrido num bloco carnavalesco em Minas Gerais. Mas o tom lúgrube da informação não evitou que os editores do jornal usassem uma imagem “tipicamente brasileira”.
 
Os israelenses adoram o Carnaval brasileiro. É, para eles, sinônimo de liberdade, de festa sem fim, de alegria sem limites. E, claro, de mulheres peladas. Para o pessoal daqui, a promessa de prazeres sensuais e sensoriais simbolizada pelo Carnaval é a prova de que a vida pode ser diferente do que a vivida na constante tensão do Oriente Médio. A ilusão serve de consolação e de estratégia de saída: “se o Irã decidir bombardear por aqui, já sabemos para onde vamos!”.
 
Há alguns anos, me animei com o que parecia ser a transmissão, ao vivo, dos desfiles das escolas de samba na Marquês de Sapucaí num canal de TV a cabo israelense. Liguei para amigas para combinar uma noite de maratona televisiva, com direito a pipoca e humus. Mas, na hora “H”, quase fui linchada. Tratava-se de um replay de um desfile antigo – e sem os sambas. Isso mesmo: as imagens das passistas, dos blocos, dos carros alegóricos e da bateria eram acompanhadas de música rave. Esquisitíssimo. E engraçadíssimo.
 
Diz-se que aqui em Israel existe algo parecido com Carnaval. Trata-se de uma festa chamada Purim, que lembra uma passagem da Bíblia na qual um rei persa planeja, mas não consegue, matar os judeus de seu reino. Pela tradição judaica, a festividade prevê doações aos pobres, troca de presentes e um banquete regado a vinho. Mas o principal costume – influenciado pelos carnavais pelo mundo que acontecem sempre na mesma época – é o de se fantasiar e comemorar.
 
As crianças, claro, adoram. Elas esperam o ano inteiro pela data, que, este ano, cai no dia 20 de março, daqui a duas semanas. A Maya, minha filha de três anos, pergunta todo dia se amanhã poderá usar a fantasia de Branca de Neve que comprei para ela. A fantasia está pendurada no armário, ainda com o plástico original. Mas ela faz questão de vê-la sempre que volta da creche. Outro dia, exigiu que eu desnudasse sua Barbie Branca de Neve.
 
- A mãe da Barbie não deixa ela usar a roupa. Só em Purim – me explicou.
 
Em Purim, as crianças saem pelas ruas com suas fantasias. Vão à escola fantasiadas, Em restaurantes, shoppings, zoológicos, parques, só se vê crianças vestidas de homem-aranha, bailarina, policial, princesa, tartaruga… Mas há uma grande diferença em relação ao Carnaval brasileiro: aqui não há bailes, blocos de rua ou desfiles de escolas de samba. Prova de que se fantasiar é uma atração por si só, mesmo sem o acompanhamento musical, mesmo sem o pula pula das festas.
 
Os brasileiros daqui, claro, não se dão por vencidos. Já soube de dois ou três bailes de Carnaval neste fim de semana, em Tel Aviv, para quem quiser se sentir mais próximo à América do Sul. Num dos convites, promete-se “batucada, frevo, samba, xote, forró e pagode”, numa salada de estilos pouco usual para um baile carnavalesco. Mas vale tudo para atrair brasileiros e nativos, certo?
 
Até pensei em ir, mas confesso desânimo diante da total falta de clima. No Brasil, é impossível ignorar o Carnaval. A expectativa, a cobertura televisiva, os blocos nas ruas… Todos se preparando para desfilar, pular em algum baile ou festa alternativa. Quem tenta ignorar a folia planeja que filmes vai ver, para que cidade afastada vai viajar ou que livros vai colocar em dia. São quatro dias de fuga da realidade, com reflexos nos dias – e até mesmo semanas – anteriores e posteriores.
 
Mas aqui, trata-se de quatro dias normais. Não há aquele burburinho nas ruas, aquele ziriguidum no ar, ame-o ou deixe-o. Sem isso, não tem graça. Só quando se está no exílio é possível apreciar a importância desse burburinho. Nem reclamar do Carnaval é divertido assim. Acho que vou mesmo é passar o fim de semana debaixo do cobertor, lendo “1822”, do Laurentino Gomes. E espiando de vez em quando na internet para saber que escola saiu melhor na avenida. Afinal, ninguém é de ferro.

Mulher 7x7

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