19 fevereiro 2012

Qual é o melhor samba-enredo de todos os tempos?


18.02.12
Por André Bernardo

Quem não gosta de samba, já avisava Dorival Caymmi, bom sujeito não é. Ruim da cabeça ou doente do pé, como dizia a letra de “O Samba da Minha Terra”, pouco importa.
Quem não gosta do gênero costuma dizer que samba-enredo é tudo igual: temas batidos, melodias previsíveis, rimas pobres.

Alguns, mais exaltados, chegam a afirmar que já não se fazem mais sambas-enredos como antigamente. Será mesmo?

Para responder a essa e outras perguntas, reunimos um júri de dez bambas, como o jornalista Haroldo Costa, o compositor Martinho da Vila e a cantora Beth Carvalho.

Juntos, eles ajudaram a eleger o melhor samba-enredo de todos os tempos: “Heróis da Liberdade”, do Império Serrano em 1969.

Coincidência ou não, um samba composto há mais de 40 anos.

Dos 10 especialistas consultados, três votaram em “Heróis da Liberdade”: Ricardo Cravo Albin, Haroldo Costa e Fábio Fabato.

“Esse samba-enredo abriu um clarão poético de luz em plena treva da ditadura militar. Foi um protesto ao mesmo tempo sutil e veemente”, justifica o pesquisador Ricardo Cravo Albin, autor de MPB – A História de Um Século.

Em 1969, no primeiro desfile carnavalesco pós-AI-5, a Império Serrano desfilou na Presidente Vargas sob voos rasantes de um avião da Força Aérea Brasileira.

“A censura, claro, torceu o nariz para a letra do samba e forçou a mudança de uma palavra: ‘É a revolução em sua legítima razão’ virou ‘É a evolução em sua legítima razão’”, salienta o jornalista Fábio Fabato, que está lançando As Três Irmãs – Como Um Trio de Penetras Arrombou a Festa, sobre a Mocidade Independente, Beija-Flor e Imperatriz Leopoldinense.


Um dos autores de “Heróis da Liberdade”, em parceria com Mano Décio da Viola e Manuel Ferreira, o compositor Silas de Oliveira é considerado o pai do samba-enredo.


Embora tenha votado em “Os Sertões”, do Em Cima da Hora em 1976, o jornalista Sérgio Cabral faz questão de enaltecer a obra do compositor carioca, falecido em 1972.

“É muito difícil escolher apenas um samba-enredo como o melhor. Poderia escolher qualquer um do Silas de Oliveira e estaria muito bem escolhido”, afirma o autor de Escolas de Samba do Rio de Janeiro.

Quem também votou em um samba-enredo de Silas de Oliveira foi Martinho da Vila.

“O samba-enredo ‘Aquarela Brasileira’, da Império Serrano em 1964, é considerado, por muitos, como o melhor, mas não é perfeito porque cita alguns estados e deixa outros de fora”, afirma o sambista da Vila Isabel

Compositor se faz em casa


Depois da Império Serrano, a escola mais votada foi a Mangueira. A Verde-e-Rosa mereceu votos do pesquisador André Diniz, “Cântico à Natureza”, em 1955; do compositor Ivo Meirelles, “Caymmi Mostra ao Mundo o que a Bahia e a Mangueira Têm”; em 1986, e da cantora Beth Carvalho, “Cem Anos de Liberdade – Realidade ou Ilusão?”, em 1988.


“Sou do tempo em que o compositor fazia samba para a escola que amava”, orgulha-se o compositor Ivo Meirelles. 

“Hoje em dia, o mesmo compositor escreve samba para várias escolas”, lamenta a sambista Beth Carvalho.

No ranking dos melhores sambas-enredos de todos os tempos, “Chico Rei”, da Salgueiro em 1964, foi votado pelo pesquisador Felipe Ferreira, autor de O Livro de Ouro do Carnaval Brasileiro, e “Sublime Pergaminho”, da Unidos de Lucas em 1968, escolhido pelo cantor Neguinho da Beija-Flor. “Foi o que melhor contou a história da libertação do negro no Brasil”, justifica o intérprete da Azul-e-Branco de Nilópolis.

A tese de que os sambas-enredos de hoje em dia não têm o mesmo brilho e fulgor dos carnavais de outrora é quase uma unanimidade entre os especialistas.

“Nos últimos anos, em vez de inovações, o que temos visto são involuções na estrutura dos sambas-enredos, com a perda de qualidade tanto em letra quanto em melodia”, polemiza Fábio Fabato.

Beth Carvalho concorda. “Antigamente, a gente tinha uma verdadeira aula de História do Brasil só de assistir ao desfile das escolas de samba”, exagera.

Durante o Estado Novo, o então presidente do Brasil, Getúlio Vargas, instituiu que todos os sambas-enredos abordassem temas nacionalistas. Foi por isso que, em 1939, a escola de samba Vizinha Faladeira, atualmente no Grupo D, foi desclassificada por causa do enredo “Branca de Neve e Os Sete Anões”, inspirado na história de Walt Disney.


Haroldo Costa desafina o coro dos descontentes. Na opinião dele, as escolas de samba continuam a produzir sambas-enredos muito bons.


“Antigamente, as escolas de samba também produziam sambas-enredos ruins. Tanto que a maioria deles caiu no esquecimento. A gente só se lembra dos bons. Dos ruins, a gente se esquece”, graceja o autor de Na Cadência do Samba e 50 Anos de Salgueiro.

Para Haroldo Costa, os sambas-enredos de hoje não são melhores nem piores do que os da década de 50 ou 60. São apenas... diferentes. “Muita coisa mudou de lá para cá. O samba-enredo mudou porque o carnaval também mudou. O tempo de desfile, então, nem se fala”, acrescenta ele.

"Paradinha" de sucesso


Em um aspecto, porém, todos os especialistas concordam: a aceleração progressiva do andamento ajudou a descaracterizar o gênero.


“O que era para ser uma inovação acabou se transformando, lamentavelmente, em uma catástrofe: a aceleração do andamento transformou os sambas-enredos em marchas”, critica Sérgio Cabral.

Mas, afinal, qual teria sido a grande inovação dos sambas-enredos? Para o pesquisador André Diniz, autor de Almanaque do Samba e Almanaque do Carnaval, a famosa “paradinha”, criada por Mestre André, da Mocidade Independente de Padre Miguel, em 1959, pode ser considerada uma das mais importantes. “Esse ano, a Mangueira promete uma paradinha mais ousada”, avisa.


No livro As Três Irmãs, Fábio Fabato cita as muitas versões para a origem da tão famosa “paradinha” do Mestre André.


Uma delas fala de um suposto escorregão de Mestre André na avenida. Sem saber o que fazer, a bateria parou imediatamente de tocar. Refeito do susto, Mestre André se levantou quase em um pulo e, mais que depressa, apontou para o repique. A bateria, então, voltou a tocar.

Diante da novidade, o público que assistia ao desfile foi ao delírio. Mal sabia Mestre André que, naquele exato momento, tinha acabado de criar algo que viraria mania em todas as escolas de samba. “Hoje em dia, existe paradinha de tudo que é tipo: de baião ao funk. A paradinha ganhou vida própria”, diverte-se. 

OS VOTOS

André Diniz – “Cântico à Natureza”, de Nelson Sargento e Alfredo Português (Mangueira, 1955).

Beth Carvalho – “Cem Anos de Liberdade – Realidade ou Ilusão?”, de Hélio Turco, Jurandir e Alvinho (Mangueira, 1988).

Fábio Fabato – “Heróis da Liberdade”, de Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola e Manuel Ferreira (Império Serrano, 1969).

Felipe Ferreira – “Chico Rei”, de Geraldo Babão, Djalma Sabiá e Binha (Salgueiro, 1964).

Haroldo Costa – “Heróis da Liberdade”, de Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola e Manuel Ferreira (Império Serrano, 1969).

Ivo Meirelles – “Caymmi Mostra ao Mundo o que a Bahia e a Mangueira Têm”, de Ivo Meirelles, Paulinho e Lula (Mangueira, 1986).

Martinho da Vila – “Aquarela Brasileira”, de Silas de Oliveira (Império Serrano, 1964).

Neguinho da Beija-Flor – “Sublime Pergaminho”, de Nilton Russo, Zeca Melodia e Carlinhos Madrugada (Unidos de Lucas, 1968).

Ricardo Cravo Albin – “Heróis da Liberdade”, de Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola e Manuel Ferreira (Império Serrano, 1969).

Sérgio Cabral – “Os Sertões”, de Edeor de Paula (Em Cima da Hora, 1976).
Fonte: Saraiva



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Retalhosnomundo: Aquarela Brasileira do Império Serrano

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