13 abril 2012

A morte dos Chicos ou o que morre com Chico Anysio

30/03/2012 6:00

Nehac


Muito se tem escrito desde a morte de Chico Anysio no último dia 23. A maioria dos textos chama a atenção para a importância do gênio do humor, com seus mais de duzentos personagens, construídos ao longo de sua carreira no rádio, televisão, cinema, como ator, escritor, diretor, comentarista, poeta e artista plástico. Uma das observações apresentadas por importantes veículos de comunicação é que não se pode, pela grandiosidade de sua obra, reduzi-lo a humorista, dada à sua diversidade. Isso me levou a elaborar este texto para discutir o lugar decisivo de Chico Anysio como grande cômico e humorista.
Ser politicamente incorreto no Brasil hoje é motivo de orgulho entre os que desfilam uma pretensa luta contra qualquer interdição ao pensamento. Sob o rótulo de “incorretos” muitos “comediantes” se veem autorizados a recorrer a antigos estereótipos e em uma versão mais extremada de fazer jornalismo de má qualidade, sob o julgo de desfilarem irreverência. Ora, o Brasil no dizer de José Simão, o país da “piada pronta”, marcado pela cultura do politicamente incorreto, nunca precisou que seus humoristas fizessem a defesa da incorreção.
O que se percebe é que a “batalha” contra o politicamente correto travada pela “nova geração” de humoristas (Pânico na TV, CQC, Danilo Gentili, Rafinha Bastos, entre outros) é um problema em que dois aspectos da comicidade se opõem. Em sua definição clássica, o humor se distingue entre o bom e o mau riso, outro argumento clássico para a dimensão cômica é o caráter de distanciamento e superioridade do sujeito e objeto de quem se ri.
Elias Thomé Saliba, um dos grandes estudiosos do humor no Brasil, discute como que o humor ganha impacto no Brasil, no surgimento da imprensa moderna, no final do século 19 e início do século 20, dissolvendo as concepções clássicas do cômico. Isto não é definido de forma tão esquemática, no entanto o que se vê é uma tensão entre uma tradição clássica de humor, em que o sentido de superioridade precisa ser articulado para que ocorra a graça, e um sentido libertário, do humor que transgride a esse distanciamento.
E é nisso que mais sentiremos falta do humor produzido por Chico Anysio! Se de um lado ele possuía uma linguagem direta, dura, sexista, machista e misógina, por outro, como recorda o historiador Saliba, suas personagens mudavam de lado, os papéis eram trocados, e, retomavam ao universo do burlesco, continham reversão de significado. Só para lembrar um desses, a atriz cômica de cinema e TV Zezé Macedo (1916-1999), que, segundo ela própria, fazia sempre personagens de “empregadinhas e mulheres feias”; na Escolinha do professor Raimundo atuava como a Dona Bela. A antítese e o jogo de contrários nesse caso provoca a comicidade pelo contraste.
Para quem acredita que stand up é uma linguagem nova, atualíssima, é importante lembrar que Chico Anysio utilizou desse gênero nos anos de 1950 no rádio, e, posteriormente na antiga TV Tupi em 1960, no programa “Chico City”, utilizando-se apenas de microfone, habilidade verbal e grande comicidade. Como pode se verificar está aí mais uma distinção entre Anysio e os “novos” humoristas. Não se tem feito stand up com comicidade.
Têm-se utilizado humor para fazer crônica jornalística, com baixa qualidade artística no texto. Chico Anysio foi um humorista e um grande cômico, pois se utilizou da totalidade de recursos do cômico, do corpo, da ludicidade, com o objetivo de provocar o riso, basta lembrar o pai de santo Painho (“Affe! Eu tô morta!), o deputado Justo Veríssimo (“Quero que pobre se exploda!”) e a gaúcha Salomé, que conversava ao telefone com o então presidente João Batista Figueiredo e criticava o governo dos militares.
Chico Anysio foi um dos grandes, juntamente com Oduvaldo Vianna, Grande Otelo e Oscarito, morrendo com ele mais um pouco de nossa capacidade autêntica para a irreverência, aquela que transforma o cômico em uma linguagem para dialogar com a realidade que o cerca. Por isso, insisto, perdemos na última semana um grande humorista, e, esta é a palavra que melhor o define, pois “humor não é um estado de espírito, mas uma visão de mundo”.
Thaís Leão Vieira

Professora do departamento de História da Universidade Federal de Mato Grosso, campus de Rondonópolis. colunanehac@gmail.com.

Fonte: Correio de Uberlândia

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