19 outubro 2013

Outras Estantes: Cinema de bolso

Depois de Rapace (2006), de João Nicolau, um filme português voltou a ganhar a competição internacional do Curtas de Vila do Conde. Carosello, de Jorge Quintela, é um filme de bolso, como lhe chama o próprio realizador, feito com a câmara fixa (com dois planos sobrepostos) e uma narração em voz off. O realizador de 21 anos  também apresentou Ausstieg, na Competição Experimental do Curtas.
Uma nova geração de curtas
A grande surpresa de Vila do Conde não foi o facto do grande prêmio ter sido atribuído a um filme português. Tal já havia acontecido, em 2006, com Rapace, o primeiro filme de João Nicolau. A grande surpresa foi este prémio ter sido atribuído a Jorge Quintela, um realizador principiante, de apenas 21 anos, com um filme de bolso, Carosello, de produção minimalista.Como havia feito no passado com Sandro Aguilar, Miguel Gomes, João Nicolau, António Ferreira, Rodrigo Areias ou, mais recentemente, Basil da Cunha, o Curtas inscreve o nome de Jorge Quintela num palmares dourado, dando visibilidade a uma nova geração, já distante daquela que deu nas vistas no final da década de 90, princípio dos anos 2000, e também com diferentes argumentos. Carosello é minimalista na sua forma. Só há um plano de câmara. À imagem de um carrossel italiano sobrepõe-se a de um homem a falar. Em voz off o seu discurso entre a nostalgia e o humor. Nada mais foi preciso para convencer o júri. Na competição nacional, curiosamente, destacou-se a estreia na realização de Telmo Churro, com Rei inútil. O realizador já há muito que trabalha no cinema, sobretudo na equipa da produtora O Som e a Fúria. Uma estreia feliz, com um humor peculiar, no retrato de um jovem e no seu universo, em que o onírico, por vezes, ganha um peso real. Este palmarés surpreendente deixou de fora alguns dos favoritos como Gambozinos, de João Nicolau (ganhou honrosa no Curtinhas), O Corpo de Afonso( aviso importante, contém cena imprópria para menores), de João Pedro Rodrigues, ou Tabatô, de João Viana.
Na competição internacional, o prémio de ficção foi para uma das grandes cinematografias europeias que precisa de ajuda, devido ao desinvestimento do estado na cultura: a Hungria. Chuva Suave é uma produção húngaro-belga, com realização de Denes Nagy, que num contexto rural (mas sem a arte de Bela Tarr) desvenda a história de um órfão que se apaixona por uma rapariga, mas que tem que descobrir os códigos dos jogos do amor. O prémio de documentário ficou em Espanha, com Bom Dia Resistência, de Adrian Orr. Uma ideia simples e eficaz, conta apenas uma manhã de um pai de três filhos nos arredores de Madrid. Na animação, sem grandes surpresas, foi premiada a imaginação de Gloria Victoria, a conclusão da trilogia de Theodore Ushev, iniciada com Tower Bawher e Drux Flux. Também sem grandes surpresas, o prêmio experimental foi para Cut, de Cristophe Girardet e Mathias Muller, presenças assíduas no Curtas.


 Entrevista:

 Já tinha sido selecionado para Vila do Conde com o filme O Amor é a Solução para a Falta de Argumento, mas acaba por vingar com Carrosello, uma ideia bastante mais simples, quase minimal.Surpreendido?
Carossello e Ausstieg são filmes de bolso, trabalhados com o argumentista Pedro Bastos, que obedecem a premissas. Há um trabalho com a imagem e a palavra. Estabelece-se como regras o uso de um só plano e a narração através de uma personagem. Os filmes partem de uma imagem registada sem a pretensão de transformar em filme. Só ao rever as imagens captadas surge a necessidade de construir uma narrativa.

O conceito de filme de bolso tem que ver apenas com a produção ou também com a forma como os filmes são recebidos? São filmes a pensar em telemóveis e tablets? 
Não necessariamente. O conceito originário de filme de bolso é do meu amigo Paulo Abreu, que tem há alguns anos umas séries chamadas pocket movies, numa lógica de produção reduzida, mas sem as mesmas premissas. A ideia tem a ver com a contenção na estrutura de produção e não com o seu visionamento. O filme foi feito a pensar na sala de cinema.

Temos falado em cinema experimental, mas contudo o seu filme não é abstrato, há uma personagem concreta que nos fala da sua vida... 
A narrativa não é de todo experimental. Até é bastante linear. A experiência está no processo e no artefacto. Mas a barreira entre a ficção convencional e o experimental, em geral, é cada vez mais ténue, vai-se quebrando.

Optou por estes filmes de bolso por uma questão estética ou por necessidade financeira, devido à falta de financiamento?
É um conjunto de fatores. Comecei a fazer estes filmes de bolso em 2010, porque era a única forma de satisfazer o meu desejo de realizar, na ausência de uma estrutura que me apoiasse. Mais tarde acabei por contar com o Bando à Parte e o Rodrigo Areias. E a verdade é que essa estrutura existe porque já foi financiada.

Por que motivo o filme é falado em italiano?
A imagem do carrossel foi filmada na Praça da República, em Florença. Só mais tarde, ao ver esse plano, tive a ideia de filmar uma narrativa. O Ausstieg foi filmado em Berlim e é falado em alemão. Um dos desafios destes filmes de bolso é tentar construir uma personagem dando uma visão sobre a cultura do país em causa.

Que perspetivas se abrem com este prémio? 
Dado o seu caráter experimental, surpreendeu-me logo á partida que o filme fosse selecionado para a Competição Nacional. Por isso, o prémio foi uma grande surpresa. Vai permitir que este e os próximos filmes tenham mais visibilidade. O meu próximo projeto não é um filme de bolso, mas uma curta-metragem, com os meios normais de produção, que recebeu apoio do ICA em 2011.

Destaque : A barreira entre a ficção convencional e o experimental, em geral, é cada vez mais ténue, vai-se quebrando. 

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