Ridley Scott dá uma nova roupagem mais real à lenda de Robin Hood.
Robin Hood é um dos grandes mitos da cultura popular mundial, tendo inspirado toda sorte de obras artísticas. Apesar de nunca ter existido, há certa expectativa do que o público verá ao assistir a um filme estrelado por esse personagem, como aventura, donzelas em perigo, feitos audazes e pura diversão. Ridley Scott decidiu subverter isso e dar uma roupagem mais real à lenda.
Colocar Robin em um contexto mais épico e verossímil é uma ideia interessante, mas retirar partes do que o fez tão inesquecível com certeza não é. Ambientado no final da terceira cruzada, na virada para o século XII, o longa apresenta seu personagem principal não como um nobre, mas como um mero arqueiro, chamado Robin Longstride (Russell Crowe).
Membro do exército do Rei Ricardo Coração de Leão (Danny Huston), Longstride é um homem direto, honesto e um servo fiel do rei, mas que já está cansado da guerra. Após a morte de seu soberano, Robin e seus companheiros João Pequeno (Kevin Durand), Will Escarlate (Scott Grimes) e Allan A’Dayle (Alan Doyle) resolvem desertar das linhas de combate. No entanto, acabam dando de cara os restos da emboscada caravana de nobres que levava a coroa do falecido monarca, que era liderada pelo cavaleiro Robert Loxley.
Assumindo a identidade de Loxley, o arqueiro traz a coroa de volta ao reino, com esta sendo assumida por João (Oscar Isaac), um fraco governante que, levado pelos péssimos conselhos de seu braço direito Godfrey (Mark Strong), leva uma falida Inglaterra à beira de uma guerra civil por meio de uma absurda cobrança de impostos, com tudo sendo orquestrado pelo Rei Felipe da França.
Enquanto isso, na cidade de Nottingham, Robin conhece Marion (Cate Blanchett), esposa do falecido Robert. A pedido do pai do morto, Sir Walter (Max Von Sydow), Robin continuará a personificar o nobre Loxley, para manter a salvo as terras da família. Mal sabe ele que existem ligações profundas entre o seu passado e o de Walter, bem como que seu caminho se cruzará diretamente com a iminente invasão francesa.
A trama básica até que é interessante, mas em nada lembra a história clássica de Robin Hood. Isso porque o filme é basicamente um prelúdio sobre como veio se estabelecer a lenda. Mas os roteiristas tomaram certas liberdades que acabaram diminuindo a força da saga do encapuzado no filme.
Um exemplo de tais mudanças são John e Will, os companheiros de Robin. Enquanto na maioria das versões eles são homens do povo com quem Robin simpatiza quando começa lutar pelos pobres, ao fazê-los companheiros do protagonista desde o início, o filme simplesmente rouba do personagem a ligação necessária com aqueles que ele deseja proteger. Basta notar que quase não há diálogos entre o herói e outros plebeus na Inglaterra.
O elenco está bem estruturado, embora tenha nomes importantes mal-escalados. Enquanto os personagens secundários roubam a cena, Robin e Marion, com exceção de poucas boas tiradas do casal no quarto, simplesmente não convencem o espectador em momento nenhum como par romântico. Isso é resultado direto da falta de química entre Russel Crowe e Cate Blanchett, que aparecem extremamente aborrecidos em suas cenas, além de um desenvolvimento extremamente artificial do relacionamento entre seus personagens.
Individualmente, ambos também não se saem muito melhor. Enquanto Crowe entrará para a história como o Robin Hood mais mal-humorado de todos, descaracterizando-o seriamente, Blanchett soa carrancuda em quase todas as suas falas, além de se tornar uma babá de armadura de uma versão dos Goonies vinda da floresta de Sherwood em meio à batalha final do filme, em um momento inexplicável da produção.
Já entre os coadjuvantes, os veteranos William Hurt e Max Von Sydow dão um show à parte, sendo uma pena que apareçam tão pouco. Scott Grimes, Kevin Durand e Alan Doyle como os “homens alegres” de Robin, assim como Mark Addy no papel de Frei Tuck, são o tão necessário alívio cômico do filme, embora sejam bastante perigosos de seus modos peculiares.
Mark Strong vem se firmando como um ator especialista em vilões aos quais adoramos odiar, não sendo o ameaçador e traiçoeiro Godfrey uma exceção. Oscar Isaac começa bem como João, embora acabe caindo na caricatura a partir do último ato do filme, virando uma cópia banal de Commodus, de “Gladiador”.
Aliás, com exceção do Ricardo de Danny Huston, que consegue ser mais profundo do que muitos personagens do longa apesar da curtíssima aparição, os reis aqui são estereotipados ao extremo, vide as cenas nas quais surge o rei Felipe, que chegam a dar vergonha (ele com as ostras e ordenando a retirada são momentos involuntariamente cômicos).
Com relação à parte técnica do filme, é um fato que Ridley Scott sabe comandar épicos como ninguém. Utilizando muito bem as paisagens da Inglaterra, o cineasta em colaboração com seu diretor de fotografia John Mathieson nos mostram imagens de tirar o fôlego das belezas naturais inglesas, além de usar tais recursos dentro das cenas de batalha.
Alguns erros chegam a incomodar. Certos movimentos de zoom em momentos dramáticos pareceram particularmente forçados. Em dado momento da fita, Scott se mostra relapso, inserindo na tela um texto no qual diz que os personagens estão em Nottingham para depois um dos homens de Robin perguntar “Estamos em Nottingham?”.
Engraçado notar como o diretor quis referenciar diversas fitas sobre a Segunda Guerra Mundial aqui. Um exemplo são as semelhanças entre o desembarque das tropas francesas à costa inglesa com a abertura de “O Resgate do Soldado Ryan”. Apesar de plasticamente bonita, a cena podia ter sido um pouco mais original.
Mais longo que o necessário (haja vista que possui plots que simplesmente não prosperam) e com um furo homérico em seu último ato, como a informação sobre a identidade de certo personagem tendo sido descoberta aparentemente por telepatia, “Robin Hood” se torna só mais uma nota de rodapé na longa lista de obras estrelada pelo príncipe dos ladrões. Não chega a ser um desastre, mas certamente não é nada lendário.
Thiago Siqueira
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