16 julho 2013

Outras Estantes: Coleção Eça Agora: Luís Filipe Menezes é o Conselheiro Acácio

O conselheiro Acácio não poderia faltar nesta galeria, tanto mais que, como salientou Carlos Reis neste mesmo jornal, "longe estaria Eça de saber que a língua portuguesa haveria de cunhar o adjetivo acaciano", provando que os romancistas de talento invertem a ordem natural: "Não é a ficção que copia o real; é o real que imita a ficção." Só que, neste particular, ficamos como Gil Vicente: Acácio é Todo o Mundo e Ninguém.
Acácio, o conselheiro, é talvez a mais célebre figura política queirosiana. Apesar de personagem secundária de "O Primo Basílio", tem sido, no último século, sinónimo do estadista vácuo e convencional. Lisboeta, morador na Rua do Ferragial, onde vivia amantizado com uma criada, nada indicaria que se fosse buscar o nosso homem do Porto, Luís Filipe Menezes, para um paralelismo destes. No entanto, para os mais atentos, haverá aqui discreta homenagem, já que o romance que deu à luz o conselheiro teve a sua primeira edição na Cidade Invicta, em 1878.
Acácio, ao contrário de Menezes, era careca, embora pintasse a cabeleira que lhe restava: "Tingia os cabelos, que de uma orelha à outra lhe faziam colar para trás da nuca; e aquele preto lustroso dava, pelo contraste, maior brilho à calva." Além disso, também ao contrário de Menezes, passava a vida a citar este, aquele e aqueloutro.
Há, porém, pontos de contacto. Como Menezes, o conselheiro utilizava palavras pouco comuns. Por exemplo, quando o enganado marido de Luísa lhe comunica que tem de ir ao Alentejo, refere-se à região como um país de grande riqueza porcina; assim como nunca dizia vomitar, mas sim restituir, acompanhando a palavra com o gesto. Referia também sempre "o nosso Garrett" ou "o nosso Herculano", como quem diz "o nosso rio Douro" ou "a nossa Gaia", e - numa reverência insuperável - soerguia-se um pouco da cadeira quando se referia ao rei, tal qual podemos imaginar o respeito do nosso Menezes ao nosso Jorge Nuno Pinto da Costa.
Dirão que é exagerado. E concordaremos. Pois o que é a caricatura senão o traço exagerado dos sinais particulares e dos defeitos?


Jornal Expresso

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