23 julho 2013

Outras Estantes: Questionário queirosiano a Gonçalo M. Tavares


"Eça Agora" é uma coleção que além de "Os Maias" inclui a sua continuação e um livro de estudo.


O Expresso distribui no próximo sábado o terceiro livro da coleção "Eça Agora". São sete volumes dedicados a celebrar a obra de Eça de Queirós - "Os Maias" foram publicados há precisamente 125 anos - bem como o 40º aniversário do Expresso.
Gonçalo M. Tavares é um dos seis escritores escolhidos para continuar "Os Maias", num exercício literário em que cada um explora determinado período histórico, de forma a transportar a narrativa até aos dias da fundação do Expresso, em 1973. Estes novos capítulos compõem os três volumes de "Os Novos Maias".

Questionário queirosiano a Gonçalo M. Tavares


O romance "épico", retrato de toda uma época, está tão condenado como a poesia épica?

Não sei bem. Os géneros literários são modos de a linguagem se aproximar de um tema ou, no limite, modos de a linguagem se aproximar do género humano, das suas violências e fraquezas. De um certo ponto de vista, o género humano talvez seja o supergénero literário, aquilo que está acima de todos os modos de escrita. Esse homem que, para tentar perceber o que lhe acontece e o que acontece aos outros, em vez de saltar ou gritar, pensa, fala e escreve. E um género literário, uma forma de literatura, que tente entender aquilo que é humano - humanamente alto e humanamente baixo e humanamente médio - talvez nunca perca a sua força. A questão da forma de escrita talvez não seja, portanto, o relevante. O importante talvez seja a direção. Para onde é que a linguagem vira os pés? Para o que é essencial ou para o acessório? No caso de "Os Maias" parece-me claro que a linguagem se dirige para o que é essencial. E o essencial pode ser a forma como um homem, diante de uma senhora numa mesa de restaurante, hesita antes de beber um copo de água. Nada de especial, mas essencial.

A constante ironia de Eça é um dos seus grandes méritos ou uma das suas principais limitações, por comparação com o trágico e o patético de Camilo, por exemplo?

A ironia mantém uma distância. Certas distâncias permitem-nos ver melhor, ver todo o quadro. Claro que é difícil saber qual a distância certa do observador em relação aos acontecimentos - três metros, trinta ou trezentos? (Muito afastado deixo de ver, próximo demais também.) E a posição? Do alto, de baixo, de lado? A olhar para a nuca do que acontece ou, pelo contrário, para os tiques do rosto daquilo que acontece? (e, nas duas hipóteses, mantendo a mesma distância). Enfim, cada situação como que exige uma distância ou uma proximidade, e Eça é um excelente avaliador da boa e sensata posição do observador em relação ao mundo em geral. Claro que há muitas outras posições e distâncias possíveis - as hipóteses são literariamente infinitas -, mas a opção de Eça é muito boa.

Existe um "segredo" em "Os Maias": é um estratagema de época, que envelheceu mal, ou continua um recurso atual?

É difícil responder. Depende muito do que está à volta. Em "Os Maias" resulta muito bem.

"Ainda o apanhamos", dizem os dois amigos na última página do romance; é essa esperança desesperançada que torna "Os Maias" tão português?

A sensação de se estar sempre quase é, apesar de tudo, uma das mais bonitas e estimulantes. É talvez a posição mais esperançosa em que qualquer ser humano se pode colocar. O "nunca o apanharemos" ou o "já o apanhámos", se fizermos as contas, são expressões bem menos esperançosas. Quem já apanhou perdeu a desesperança, é certo, mas também já nada espera. Assim, como ainda não o apanhámos, mas estamos quase a apanhá-lo, sem desistências, continuamos. Enquanto estamos vivos, não vejo melhor movimento do que este, o de continuar. Em suma, parece-me um bom sítio para estar: exatamente no quase. "Ainda o apanhamos."

Poucos romances portugueses são tão "cinematográficos" e tão dependentes, nomeadamente, do advérbio de modo; a escrita de "Os Maias" é "visual" ou "estilística"?

Gosto muito desse modo de dar a ver cenas, que a escrita de Eça consegue. É uma escrita que mostra. Como se todo o romance fosse introduzido pela expressão: vejam!


Fonte: Jornal Expreso

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