25 julho 2013

Outras Estantes: Questionário queirosiano a Clara Ferreira Alves

"Eça Agora" é uma coleção que além de "Os Maias" inclui a sua continuação e um livro de estudo.

O Expresso distribui esta semana o terceiro livro da coleção "Eça Agora". São sete volumes dedicados a celebrar a obra de Eça de Queirós - "Os Maias" foram publicados há precisamente 125 anos - bem como o 40º aniversário do Expresso.
Clara Ferreira Alves é um(a) dos seis escritores(as) escolhidos para continuar "Os Maias", num exercício literário em que cada um explora determinado período histórico, de forma a transportar a narrativa até aos dias da fundação do Expresso, em 1973. Estes novos capítulos compõem os três volumes de "Os Novos Maias".

Questionário queirosiano a Clara Ferreira Alves


A ideia recorrente de que o Portugal de hoje "é igualzinho" ao Portugal de Eça é justa ou exagerada? 

Portugal não é igualzinho ao do tempo de Eça, porque a desigualdade se atenuou e porque entre as duas classes de que trata Eça, a alta e a baixa, se interpõe hoje uma terceira, a pequena burguesia, nascida e aprimorada pelo salazarismo e confortada pela revolução e a democracia, que criou uma elite de altos assalariados e self-made men. Portugal melhorou muito. Mas um certo tipo de português, e um certo modo de ser português, incivilizado, bruto, oportunista, vaidoso e preguiçoso, ou um certo modo de ser português, velhaco e sarcástico, cheio de pilhéria, continuam por aí. Por nós. Os tipos queirosianos são perenes, fazem parte do nosso genótipo.

A constante ironia de Eça é um dos seus grandes méritos ou uma das suas principais limitações, por comparação com o trágico e o patético de Camilo, por exemplo?

A ironia é o melhor de tudo. "Os Maias" estão cheios de generosidade e têm a personagem mais grandiosa e humana de Eça, Afonso da Maia. Mais do que um mérito, é um estilo e um retrato do país. É um humor finíssimo. Nunca oponho Eça a Camilo, são géneros diferentes. Pessoalmente, prefiro a ironia aos tons carregados de Camilo. O trágico não me interessa tanto como o cómico. Nunca fui nem serei uma camiliana, porque nem cheguei a lê-lo como li Eça. Devotadamente. Passei por Camilo, não fiquei.

Existe um "segredo" em "Os Maias": é um estratagema de época, que envelheceu mal, ou continua um recurso atual? 

Continua atual. É o derradeiro tabu. O último segredo. Para ser atual, tem de ter uma arquitetura a sustentá-lo ou deriva, justamente, para o patético. "Os Maias" é um crescendo, nunca se perde na consumação da tragédia ou nas consequências.

"Ainda o apanhamos", dizem os dois amigos na última página do romance; é essa esperança desesperançada que torna "Os Maias" tão português? 

Eu acho que o que o torna tão português é o retrato de Portugal. E a nossa lassa indiferença à tragédia, como se tudo se passasse com os outros. Os portugueses absorvem o desastre sem paixão nem desespero. São como a Scarlett O'Hara - pensarei nisso amanhã. E nunca chegam a pensar.

Poucos romances portugueses são tão "cinematográficos" e tão dependentes, nomeadamente, do advérbio de modo; a escrita de "Os Maias" é "visual" ou "estilística"?

É as duas coisas. O estilo é o da descrição visual, típico dos romances realistas. Muito reposteiro, muita rosa no jarrão do Japão, muito tom de pele, muita luz de janela, muita matéria. Mais do que cinema, é um quadro, uma tela a óleo ou, por vezes, uma aguarela, caso da Quinta de Santa Olávia. Eça escreve pintando.


Fonte: Jornal Expreso

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