09 julho 2013

Outras Estantes: "Espero que o Eça não se zangue!"


E não vai zangar com certeza, descansemos Mário Zambujal, um dos seis escritores a dar continuidade à obra-prima de Eça de Queirós, "Os Maias", numa iniciativa do Expresso no ano em que comemora 40 anos e se celebra o 125º aniversário do lançamento do livro e que hoje foi apresentada publicamente no Museu de Arte Antiga


No âmbito das comemorações dos 40 anos do "Expresso" não podia faltar uma iniciativa de caráter literário de grande fôlego. A tradição do jornal a isso obrigava. 2013 assinala os 125 anos do lançamento de "Os Maias", a obra-prima de Eça de Queirós, e aquela que, de certa forma, melhor descreve Portugal e a identidade dos portugueses, num reflexo muito claro da sociedade de então.
O projeto a que o Expresso se propôs é uma homenagem à obra e à sua capacidade de sobreviver ao tempo. Em "Eça Agora", uma coleção composta por sete volumes, hoje apresentada publicamente no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, vamos oferecer aos nossos leitores a obra original, já a partir do próximo sábado, e desafiá-los a seguir os destinos da família Maia até 1973, data do nascimento do Expresso, até 17 de agosto. Nascem assim "Os Novos Maias", escritos por seis escritores contemporâneos: José Luís Peixoto, José Eduardo Agualusa, Mário Zambujal, José Rentes de Carvalho, Gonçalo M. Tavares e Clara Ferreira Alves.
A coleção, contudo, não se fica por aqui, o sétimo volume "Introdução à Leitura de 'Os Maias', da autoria do queirosiano Carlos Reis, o mais lido manual do romance de Eça, chega a 24 de agosto, numa edição revista e atualizada especialmente para esta iniciativa, que tem o apoio da Fundação Eça de Queiroz.
"No primeiro ano de vida do Expresso, publicámos em todos os números um conto original da autoria de um escritor português sempre ilustrado por Isabel Laginhas", recorda o presidente Francisco Pinto Balsemão para frisar a relação próxima que o jornal sempre teve com a ficção. Sophia de Melo Breyner Andresen, Maria Judite Carvalho, Maria Velho da Costa, só para citar alguns nomes fizeram parte dessa primeira aventura.
Mas houve mais. "As edições de exceção de 'Os Lusíadas' e de 'Peregrinação', por exemplo, ou mais recentemente, a História de Portugal, de Rui Ramos, são marcas do jornal e do seu interesse pela literatura que, de resto, se reflete no caderno Atual", continua Francisco Pinto Balsemão.
Um empenhamento cultural também valorizado por Carlos Reis que se congratula "com o facto de se contemplar nele Eça de Queirós e 'Os Maias', obra que como o Expresso é uma instituição". O professor explica de forma clara a importância de se dar continuidade ao livro maior de Eça: "Poderá parecer estranho que seis escritores de hoje venham agora dar seguimento ao texto de Eça, mas a isso chama-se salvaguarda da vida da obra, significa que há vida para além da vida da própria obra. Para esta sobrevida da obra literária muito contribuem as grandes personagens criadas pelo autor".
De facto, Carlos da Maia não deixará de estar presente em nenhum dos textos ficcionais dos seis escritores que embarcaram nesta aventura ao lado do Expresso e da editora Cristina Ovídio (Clube do Autor), responsável pela presente edição literária.

A Palavra aos autores


José Luís Peixoto, o primeiro escritor a dar continuidade à obra, diz que não deixou de sentir "a responsabilidade que o facto de escrever imediatamente a seguir ao Eça traz consigo". "Andei dois dias às voltas com o convite na cabeça, mas não tinha muito para pensar. Precisava era de assumir o desafio como meu, lançá-lo a mim mesmo. A literatura é sempre feita de desafios. Eça quando escreveu 'Os Maias' estava a responder a um desafio que lançou a si próprio", continua José Luís Peixoto, para quem Eça de Queirós foi autor de extrema importância. "Eça fez parte da minha formação como leitor e continua a fazer."
O escritor alentejano voltou a reler a obra pela terceira vez e acabou por decidir intitular a sua ficção como "Depois de Tudo, Antes de Alguma Coisa", "pois o tempo não se fecha nem termina, escrevo depois de "Os Maias" mas antes de muitas coisas que se seguirão", afirma e frisa: Este projeto é uma forma de fazer uma variação, como tantas vezes acontece na música, com o objetivo de remeter para aquela obra, aquele modelo, aquela instituição, aquele paradigma, aquele monumento que são "Os Maias".
Já para José Eduardo Agualusa o convite só poderia ter sim como resposta. "Eça é fundamental na minha formação. Costumo dizer que os grandes romances são aqueles que nos dão vontade de escrever. Em adolescente, quando li "Os Maias" o deslumbramento foi total, tão forte que fui ler o Eça todo e foi o Eça que me empurrou a escrever", conta. "Nunca deixei de ler "Os Maias", é um universo que conheço bem, libertar-me dele é difícil, mas foi isso que tentei fazer ao escrever uma reflexão sobre a questão colonial nesta minha ficção."
Agualusa não consegue, contudo, deixar de frisar o quanto se divertiu a escrever, de resto como já tinha feito em "Nação Crioula", o livro em que homenageia Eça de Queirós através da personagem de Fradique Mendes. "Regressei a alguns ambiente mas não propriamente ao Eça. Tenatr copiá-lo seria um erro!", conclui.
"Quando me fizeram o convite, pressenti de imediato que ele implicava muita responsabilidade e disse: Oh Diabo! Depois quando soube quem eram os outros autores, disse ainda com mais ênfase: Oh Diabo! Só me tranquilizei quando percebi que iríamos escrever uma história de ficção, de forma livre e sem limitações, e que podíamos inventar desde que houvesse um Maia lá dentro... O resultado acho que é uma ficção de harmonia com o costumo escrever. Espero que o Eça não se zangue!", conta Mário Zambujal.
"Não posso dizer que não tive a tentação de me aproximar daqueles diálogos e da forma como Eça fazia a passagem da descrição para o brusco discurso entre as suas personagens, aquela mestria de diálogos é apaixonante. Mas não procurei escrever à Eça. Não sou assim tão delinquente nem quero ir além daquilo que posso!", adianta ainda Zambujal.
"Os Novos Maias", já se sabe, estão a fazer mexer a blogoesfera e as redes sociais. Há curiosidade natural, há os sempre bem-vindos velhos do Restelo, e as línguas de escárnio e maldizer. Mas há também toda uma comunidade de leitores fiéis a Eça que não quer deixar de o seguir seja em que época for.

Fonte: Jornal Expresso

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