Os filósofos Bertrand Russell, Rousseau e o pintor primitivista Henri Rousseau inspiraram o sobrenome artístico do líder da legião Urbana: Renato Manfredini Jr – o Renato Russo -, que teria completado 50 anos há poucos dias. Leitor compulsivo, cinéfilo, letrista e vocalista da banda que comoveu e sacudiu o imaginário de uma extensa geração de fãs. O trovador solitário, como ficou conhecido, tem diploma de eternidade no dicionário do rock nacional. Para mim, ainda impossível esquecer a efervescência musical daquele período.
Faroeste caboclo, 1988: aqueles 159 versos, nove minutos de duração, tocava diariamente, várias vezes, nas rádios de Brasília. Não raro, até crianças balbuciavam aquela canção assustadoramente imprevisível, densa, arrebatadora. No transporte coletivo, nos bares, nas praças, na televisão, Faroeste caboclo tornou-se uma espécie de hino urbano na boca da multidão.
O tumultuado show no Mané Garrincha foi um episódio sintomático da tensa relação do público com seu ídolo, já em estado de mito. De ingresso na mão, ansiedade à flor do vento, pois afinal seria o primeiro espetáculo daquela magnitude que eu veria na capital do concreto. Ao adentrar o estádio, logo vi a multidão agitada, sedenta pelos primeiros acordes febricitantes da Legião e os versos voando da boca mítica do ídolo. Com atraso, a banda entrou em cena; não demorou muito a primeira agressão ao Renato, e em seguida a desordem instalou-se para frustrar com o que prometida ser uma noite inesquecível pela beleza musical e poética. No dia seguinte, os jornais nos davam a dimensão do estrago provocado por ‘fãs’ ensandecidos.
Ficou o desejo de ouvir, ao vivo, canções como: “Vamos celebrar a estupidez humana/ A estupidez de todas as nações/ O meu país e sua corja de assassinos/ Covardes, estupradores e ladrões...” ou “Viajamos sete léguas/ Por entre abismos e florestas/ Por Deus, nunca me vi tão só/ É a própria fé o que destrói/ Estes são dias desleais...” ou ainda Geração coca-cola, e tantas e tantas outras.
Há três anos, para mitigar um pouco a lembrança daquele tempo, vi um show do Dado Villa-Lobos, ex-guitarrista da Legião, no auditório de uma livraria carioca. Além de faixas da carreira solo, Dado lembrou do amigo trovador e apresentou canções que fizeram juntos - o público cantou em coro. De quebra, Paula Toller estava lá e soltou a voz com o parceiro de confraria.
Renato Russo, um artista talhado em sensibilidade política e social, Quixote do Planalto Central, refinada ironia, inteligência em metáforas definitivas, plantou raízes na memória da discografia brasileira. Seus fãs ainda merecem uma biografia mais alentada, além dos expressivos trabalhos dos jornalistas Arthur Dapieve e Carlos Marcelo. Nestes tempos de glossolalia ‘musical’, entre espanto e desespero auditivo, oportuno ouvir o trovador que sempre autografava com aquela irrenunciável expressão “Força sempre!”.
Publicada em 14/04/2010
Artigo
Opinião - Renato Russo: o trovador de uma geração, por Paulo Aires Marinho
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